Cidadãos brasileiros espiados "em grande escala" pelos Estados Unidos

Programa da NSA inclui parceria com uma operadora telefónica norte-americana, que serve de ligação a outras empresas de telecomunicações em outros países.

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Edward Snowden tem revelado segredos do programa de espionagem dos EUA Glenn Greenwald/Laura Poitras/The Guardian

Segundo os documentos analisados pelo jornal, o Brasil surge como um dos alvos preferenciais da agência norte-americana, na companhia de países como China, Rússia, Paquistão ou Irão. Não são apresentados números, mas O Globo escreve que "há evidências de que o volume de dados capturados pelo sistema de filtragem nas redes locais de telefonia e Internet é constante e em grande escala".

A recolha de informações sobre as chamadas telefónicas e a actividade na Internet de cidadãos norte-americanos e estrangeiros vai para além do programa Prism, revelado pelos jornais The Guardian e The Washington Post no início de Junho, também com base em documentos obtidos por Edward Snowden.

O Prism baseia-se na obtenção de comunicações que passam por um número limitado de empresas – como o Facebook, a Microsoft ou a Apple –, mas, para ter acesso a todas as comunicações fora desses serviços e em outros países, a NSA lançou um outro programa. Chama-se Fairview e é operado em conjunto com uma empresa de telecomunicações norte-americana – cujo nome ainda não é conhecido –, que serve de ligação entre a NSA e empresas estrangeiras.

"Os parceiros [da NSA] operam nos EUA, mas não têm acesso a informações que transitam nas redes de uma nação, e, por relacionamentos corporativos, fornecem acesso exclusivo às outras [empresas de telecomunicações e provedores de serviços de Internet]", lê-se nos documentos da NSA obtidos pelo jornal brasileiro.

"Companhias de telecomunicações no Brasil têm esta parceria que dá acesso à empresa americana. O que não fica claro é qual a empresa americana que tem sido usada pela NSA como uma espécie de 'ponte'. Também não está claro se as empresas brasileiras estão cientes de como a sua parceria com a empresa dos EUA vem sendo utilizada", escreve O Globo, numa notícia co-assinada pelo norte-americano Glenn Greenwald, que entrevistou Edward Snowden num hotel em Hong Kong para o jornal britânico The Guardian.

Metainformação
Mais uma vez, e à semelhança do que acontece na Alemanha, de acordo com uma notícia publicada na semana passada pela revista Der Spiegel, não se trata de ouvir as conversas telefónicas ou de ler as mensagens trocadas nas redes sociais, mas sim registar a metainformação das comunicações de todas as pessoas – os dados que indicam o número de telefone, a localização dos intervenientes numa conversa ou a data e a hora dessas comunicações, por exemplo.

A inclusão deste tipo de informações numa gigantesca base de dados gerida pela Agência de Segurança Nacional serve depois para identificar padrões de comportamento – na prática, saber quem fala com quem, quando e onde.

No caso de ser detectada uma comunicação considerada suspeita (um telefonema para alguém cujo nome está numa lista negra dos serviços secretos, por exemplo), a agência poderá então refazer os passos das pessoas envolvidas, depois de obter uma autorização judicial do Foreign Intelligence Surveillance Court (FISC) – um tribunal especial norte-americano, criado em 1978, cujas decisões são tomadas em segredo e com base exclusivamente nas informações prestadas pelo governo norte-americano, sem contraditório.

Um "Supremo Tribunal paralelo"
O principal objectivo do programa da NSA é registar e guardar a metainformação dos telefonemas, mensagens escritas, faxes e todas as actividades realizadas através da Internet por todas as pessoas, nos Estados Unidos ou em qualquer outro país, mas muitas vezes acaba por recolher gravações de conversas (conteúdo) sem qualquer interesse para as investigações. Em alguns casos, é o próprio Governo a admitir, perante o FISC, que recolheu dados para além daquilo a que estava autorizado, segundo o jornal The New York Times.

O FISC é mesmo descrito pelo diário norte-americano, numa notícia de sexta-feira intitulada "Em segredo, tribunal estende poderes da NSA", como uma espécie de "Supremo Tribunal paralelo, servindo como último juiz sobre matéria de vigilância, emitindo opiniões que deverão moldar as práticas dos serviços de recolha de informações nos próximos anos".

Para autorizar o registo da metainformação das chamadas telefónicas e da actividade na Internet de todos os cidadãos, o FISC aplicou aos programas de espionagem a excepção conhecida como "necessidades especiais", estabelecida em 1989 pelo Supremo Tribunal norte-americano. Segundo essa decisão, as autoridades podem limitar em certa medida as liberdades individuais se estiver em causa um risco público – no caso analisado em 1989, o Supremo decidiu autorizar a realização de testes de consumo de droga a trabalhadores do sector ferroviário.

Aplicando esta decisão do Supremo Tribunal aos programas de espionagem, o FISC estabeleceu que o registo das comunicações de todos os cidadãos não viola a Quarta Emenda da Constituição dos Estados Unidos, devido ao risco de atentados terroristas.

Em declarações ao The New York Times, o perito em legislação de segurança William C. Banks, da Universidade de Syracuse, considera que "parece estar a esticar-se a lei". "É uma outra forma de fazer pender a balança para o lado do acesso ao Governo a todos estes dados", afirma o especialista.

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