Cavaco quer discutir o pós-troika sem assumir crise política e o ano que falta

Conselheiros deverão querer debater o presente da coligação governamental e os alegados cortes aos pensionistas.

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Cavaco Silva reuniu o Conselho de Estado há oito meses Nuno Ferreira Santos

 Não será de estranhar, portanto, que boa parte dos conselheiros queiram abordar a situação presente, prevendo-se que o Presidente da República dificilmente consiga orientar toda a reunião sem se falar no longo caminho que será preciso percorrer até a troika ir embora, em Junho de 2014, e nas metas orçamentais apertadas que deixa para anos posteriores. Precisamente oito meses depois do último Conselho de Estado, Pedro Passos Coelho volta a entrar em Belém com um Governo debilitado. Mais ainda do que em Setembro passado - e na altura o primeiro-ministro deixou cair em Belém as mudanças na Taxa Social Única para patrões e empregados e comprometeu-se perante o Conselho a dominar a sua equipa, garantindo estarem "ultrapassadas as dificuldades que poderiam afectar a solidez da coligação partidária que apoia o Governo". Hoje, Passos pode voltar a prometer o mesmo, mas será em vão: Portas não está no Conselho de Estado e duvida-se que assumisse tal compromisso.

Solidez foi palavra que, porém, nunca mais se pôde aplicar à coligação. Nas últimas duas semanas a novela do apoio-discordância-recusa do CDS às alterações ao cálculo para as pensões já em vigor veio alargar o fosso entre Pedro Passos Coelho e Paulo Portas e teve ainda a desvantagem de ser representada na praça pública. A que se soma, pelo lado do PSD, um desconforto entre as bases e as estruturas dirigentes e governativas do partido, notório na ausência da maior parte das distritais do almoço de aniversário.

O Presidente também não é totalmente alheio ao cenário difícil do Governo: foi o motor para os pedidos de fiscalização do Orçamento ao Tribunal Constitucional, o que obrigou Passos Coelho a arranjar 1300 milhões de euros adicionais. Na última semana, Cavaco Silva juntou-se às vozes críticas da criação de uma taxa sobre as pensões: "Este grupo [reformados e pensionistas] tem sido duramente atingido nos últimos tempos e há limites de dignidade que não podem ser ultrapassados."

Por outro lado, ao querer debater já o pós-troika com os seus conselheiros, o Presidente mostra alguma abertura e validade às reivindicações do PS, cujo líder tem repetido à exaustão a necessidade de criar políticas de incentivo e crescimento da economia. Não é de estranhar que Seguro volte esta tarde a enumerar propostas socialistas para a reindustrialização e revitalização da economia. Ou o tema da crise de regime.

Dossiers europeus
A reunião do Conselho de Estado que decorre esta tarde no Palácio de Belém tem uma novidade. Pela primeira vez, o Presidente da República enviou aos seus 19 conselheiros documentação prévia ao encontro. Foi o próprio Cavaco Silva que, na semana passada, no Porto, revelou este facto.

Os documentos enviados são, segundo o PÚBLICO apurou, textos sobre a situação na União Europeia que o Presidente considerou de interesse distribuir aos conselheiros para abordar o tema que vai estar em cima da mesa: "Perspectivas da economia portuguesa no pós-troika, no quadro de uma união económica e monetária efectiva e aprofundada". É um dossier com documentação sobre questões europeias que está disponível no site da Comissão Europeia. "Considerei que era importante ouvir a reflexão dos conselheiros de Estado sobre matérias de relevância clara em Portugal à medida que se aproxima o fim do programa de assistência financeira, mas também para obter indicações para a posição portuguesa a ser defendida pelo Governo português no Conselho Europeu do mês de Junho", disse o Presidente, justificando a convocação da reunião - que fora anunciada dez dias antes pelo conselheiro Luís Marques Mendes, na SIC. Cavaco também visita as instituições europeias em Bruxelas e Estrasburgo dentro de um mês.

Outro facto novo é o da ausência do presidente do governo regional dos Açores na primeira reunião do Conselho de Estado em que devia participar desde que tomou posse em Novembro passado. Vasco Cordeiro preferiu participar na sessão solene do Dia da Região Autónoma dos Açores, na Assembleia Legislativa regional, na cidade da Horta, marcada para esta segunda-feira ao fim da manhã.

À margem deste facto novo, a reunião vai decorrer nos moldes habituais. O Presidente da República abre com a introdução do tema. Depois, os conselheiros, por ordem institucional - presidente da Assembleia da República, primeiro-ministro, presidente do Tribunal Constitucional, provedor de Justiça, presidentes dos governos regionais, os nomeados pelo PR e os indicados pelo Parlamento -, ou por ordem de inscrição pronunciam-se. Estas intervenções, entre dez a 20 minutos, podem ser seguidas por um segundo turno ou réplicas. Alguns dos conselheiros lêem um discurso previamente escrito, outros completam a sua intervenção com apontamentos da reunião. Terminada a fase de audição, o Presidente da República faz a conclusão da reunião. Depois é discutido e aprovado o comunicado final a ser divulgado ao país.

Normalmente, o guião não se desvia muito desta estrutura - o que pode acontecer é os conselheiros se mostrarem mais ou menos intervenientes. Em Setembro, por exemplo, o encontro demorou oito horas. Para o jardim em frente ao Palácio de Belém, tal como há oito meses, está hoje marcada uma concentração pelo movimento Que se Lixe a Troika. O "Conselho do Povo", como foi denominado, vai pedir ao Presidente que demita o Governo e o fim da austeridade. com Nuno Ribeiro

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