Siza Vieira: “Trabalhar com o arquitecto Távora foi melhor do que qualquer estágio”

Até 15 de Abril, a Secção Regional do Sul da Ordem dos Arquitectos recebe histórias sobre estágios. As melhores ganham prémios — uma forma simbólica de "reflectir" e "debater". Mais em http://p3.publico.pt/cultura/arquitectura e http://premioestagiosoasrs.wordpress.com/. Este é o depoimento de Siza Vieira.

Trabalhei no atelier como desenhador. O ambiente era muito bom, havia pouca gente, conversava-se muito, por vezes ele ia para fora, fazia viagens e quando voltava contava tudo com grande entusiasmo. É o caso dos congressos do CIAM [Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna] que estavam numa fase muito criativa, complexa e às vezes conflituosa.

Estou-me a lembrar da entusiástica descrição que fez de uma visita à Maison Jaoul [Le Corbusier], e como perguntou à senhora que lá morava se gostava de viver naquela casa maravilhosa e ela disse: "Por um lado, gosto; por outro lado, não gosto." "Então porquê?" "Porque há muitos visitantes."

E lembro-me de ele contar da agressividade da mulher do [Peter] Smithson, a Alison, ou do debate entre o [Georges] Candilis, que apresentava o projecto de uma cidade de 100 mil habitantes, feito em dois ou três meses, ao que o [Josep Antoni] Coderch respondeu: “Desse tempo preciso eu para fazer uma casinha.” Há muitas histórias que definem a personalidade dessas pessoas mais intervenientes.

Siza Vieira recorda como era trabalhar com Fernando Távora

Ele contava tudo isso na faculdade que eu frequentava, não já no curso regular, mas numa 2.ª fase de concursos. Foi um excelente estágio e a criação de uma grande amizade que durou pela vida fora.

Tive um primeiro trabalho, umas casinhas em Matosinhos que eram de gente que conhecia a minha família. Pouco depois, a Câmara de Matosinhos abriu um concurso para o Restaurante da Boa Nova, para o qual convidou o Távora. Távora convidou os colaboradores, éramos cinco, para fazerem o projecto. Antes de tudo, foi ao local e disse-nos: "Deve ser aqui" (aquele local magistral). E no final fez uma bela memória descritiva. Acompanhou sempre o projecto, auxiliando, apoiando nos períodos de crise, quando o projecto atrasava e a câmara ficava nervosa.

Quando entrei para o estúdio, já tinha uma salinha partilhada com outros colegas, alguns dos quais fizeram parte da equipa da Boa Nova. Nessa sala, que era no Imperial, na Praça da Liberdade, estávamos cinco.

Lembro-me de visitar obras com o arquitecto Távora, obras que na altura tiveram grande importância, como, por exemplo, a Casa de Ofir, hoje infelizmente semidestruída – é inacreditável. Desenhou-a em casa, com grande entusiasmo. É uma casa com dois núcleos, a sala de estar e cozinha e depois os quartos, ligados por um átrio de passagem, num esquema muito bauhausiano.

Nos meus tempos de arranque, tinha então 25 anos, estava numa fase em que os candidatos a arquitectos estavam muito ligados a referências (...) e eu tinha esses entusiasmos. A formação de um arquitecto é ter não uma, não duas, não três, mas muitas referências até ao ponto de ficarem no subconsciente e aparecerem quando é preciso.

Excertos de uma conversa conduzida pelos arquitectos Luís Pereira Miguel e Rita Alves com o arquitecto Siza Vieira no seu atelier, a 19 de Março 2013, sobre os seus primeiros passos na profissão.
 
 

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