Papa Francisco: "Não devemos ter medo da bondade nem da ternura"

Centenas de milhares de pessoas couberam na Praça de São Pedro para acenar, sentir e ouvir o novo Papa na missa inaugural do pontificado.

Em vez do tradicional anel em ouro, Francisco optou pela prata
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Francisco acena à multidão Reuters
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Quem pôde, chegou cedo a São Pedro. Ainda não eram 9h00 e já Francisco percorria a praça, não no habitual Papamóvel, mas num jipe branco descapotável. Ainda não eram 9h00 e já o Papa descera do jipe para beijar e acariciar um deficiente. "Bravo", "Obrigado", "Obrigado, Santo Padre". Ainda não eram 9h00 e já o Papa beijara um menino e depois uma menina, trazidos em braços pelos seguranças até à sua beira, e depois ainda outro menino, este a chorar sem parar.

Ainda não eram 9h00 e já tinha havido tantos sorrisos e tantas lágrimas na praça onde a multidão nem parecia apertada, como se ali coubessem, afinal, todas as bandeiras e todas as línguas. E Francisco ainda nem se tinha ajoelhado diante do túmulo de São Pedro nem subido as escadas da basílica para voltar a sair para a praça e receber o anel do pescador.

Eram 9h37 (uma hora a menos em Portugal) quando o Papa chegou ao pequeno altar no topo das escadas da Basílica de São Pedro. Algum tempo depois, seis cardeais (e não todos, como habitualmente) fizeram fila para lhe prometer obediência. Entoados os cânticos e feitas as leituras, entre os silêncios sempre imponentes da praça, o Papa começou a celebração.

Guardar toda a criação
Francisco agradeceu "ao Senhor" poder iniciar o seu ministério "na solenidade de São José, esposo da Virgem Maria e patrono da Igreja universal: uma coincidência muito rica de significado". 19 de Março é dia de São José e agora é o dia em que Francisco começou o seu pontificado.

"Deus confia a José a missão de ser guardião. Guardião de quê? De Maria e de Jesus, mas é uma custódia que se estende depois à Igreja", disse Francisco. "Como é que José exercita esta custódia? Com discrição, com humildade, no silêncio, mas com uma presença constante e uma fidelidade total, mesmo quando não compreende." E houve tanto que José não pôde compreender: "Do matrimónio com Maria ao episódio de Jesus no Templo de Jerusalém", José "acompanhou cada momento com atenção e amor", esteve "ao lado de Maria nos momentos serenos e difíceis da vida", "na dramática fuga para o Egipto" e "na quotidianidade da casa de Nazaré".

Esta vocação, diz Francisco, foi vivida por José "na constante atenção a Deus, aberto aos seus sinais, disponível ao seu projecto, não ao seu próprio". "Nele, caros amigos, vemos como responder à vocação de Deus com disponibilidade, com prontidão, mas vemos também qual é o centro da vocação cristã: Cristo. Guardemos Cristo na nossa vida, para guardarmos os outros, para custodiarmos a criação."

Depois, o Papa explicou que "a vocação de custódia" não diz apenas respeito aos cristãos,"tem uma dimensão que precede e que é simplesmente humana, concerne a todos". "É guardar a criação inteira, a beleza da criação, como vem no Livro do Génesis e como mostrou São Francisco de Assis: é ter respeito por cada criatura de Deus e pelo ambiente em que vivemos. É guardar as pessoas, é ter atenção a todos, a cada pessoa, com amor, especialmente às crianças, aos velhos, aos que são mais frágeis e tantas vezes estão na periferia do nosso coração."

Lutar contra os sinais de destruição
O bispo de Roma falava aos fiéis e ao mundo, e o mundo é feito de todos, dos mais frágeis e dos que decidem sobre a vida dos outros. "Quero pedir, por favor, a todos os que ocupam lugares de responsabilidade de âmbito económico, político e social, a todos os homens e mulheres de boa vontade: sejamos custódios da criação, do desenho do Senhor inscrito na natureza, guardiões do outro, do ambiente; não deixemos os sinais de destruição e de morte acompanharem o caminho deste nosso mundo."

Guardar, custodiar, proteger, acrescentou Francisco, significa "protegermo-nos a nós mesmos", "vigiar os nossos sentimentos, no nosso coração, porque é dali que saem as intenções boas e as más: as que constroem e as que destroem". E ainda: "Não devemos ter medo da bondade nem da ternura".

"Hoje, em conjunto com a festa de São José, celebremos o início do ministério do novo bispo de Roma, sucessor de Pedro, que comporta também um poder. Certo, Jesus Cristo deu um poder a Pedro, mas de que poder se trata? Ao triplo pedido de Jesus a Pedro sobre o amor segue-se o triplo convite: alimenta os meus cordeiros, alimenta as minhas ovelhas. Não esqueças que o verdadeiro poder é o serviço e que também o Papa, para exercitar o poder, deve entrar sempre no serviço que tem o seu vértice luminoso na Cruz; deve procurar o serviço humilde, concreto, rico, de fé", assim vê Francisco a sua missão e assim quer exercer o seu poder. Ao ouvi-lo, os fiéis na praça aplaudiram.

Abrir uma explosão de luz
A seguir, Francisco quis falar de esperança. "Guardar a criação, cada homem e cada mulher, com um olhar de ternura e amor, é abrir o horizonte da esperança, é abrir uma explosão de luz no meio de tantas nuvens, é carregar o calor da esperança."

Antes de se despedir com o já habitual "rezem por mim", o Papa argentino repetiu uma vez mais qual é o seu serviço, o que inicia esta terça-feira: "Guardar Jesus e Maria, guardar a criação inteira, guardar cada pessoa, especialmente as mais pobres, guardarmo-nos a nós próprios, este é um serviço que o bispo de Roma é chamado a cumprir, mas ao qual somos todos chamados para fazer resplandecer a estrela da esperança".

"Guardar os simples, proteger os simples e defender os pobres", serão estas as palavras que frei Eurico, franciscano angolano de 38 anos, guardará da missa desta terça-feira em São Pedro.

"Foi belíssimo, tão bonito. Este belo tempo, com sol. E ele dirigiu-se a todas as categorias do povo, falou aos patrões e aos pobres, aos doentes, aos que podem e aos que não podem. Disse que devemos proteger todos e protegermo-nos a nós mesmos", afirma Theodore, de 21 anos, que veio da República Democrática do Congo para estudar no Colégio Urbano de Roma, um seminário da Congregação para a Evangelização dos Povos.

Ermelinda, freira indonésia da ilha das Flores, e Jelsy, indiana que está há um ano em Roma, ouviram cada palavra e sorriram muito. "A volta pela praça, junto aos fiéis, foi muito emocionante", diz Ermelinda, "quase a fazer 30 anos" e há oito em Itália. "Estou muito contente com ele, é um homem simples, chamou-se Francisco. É próximo das pessoas, percebemos que vai procurar a gente, sobretudo os pobres e os humildes", diz Ermelinda. Para Jelsy, "estar aqui é como uma graça, uma grande graça".
 
 

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