A trégua acabou na Venezuela, eleições marcadas para 14 de Abril
Chavistas parecem fortalecidos. Opositores ainda espantados com as peregrinações suscitadas pela morte de Hugo Chávez.
Na sexta-feira, nove horas depois do início das cerimónias fúnebre de Hugo Chávez, jurava o homem que ele escolheu para continuar o seu projecto político: “Eu assumo esta faixa [presidencial] dele para cumprir o juramento de continuar o seu caminho, a revolução, de seguir em frente com a independência e o socialismo para fazer cumprir o seu legado, não por ambição pessoal.”
A sala constitucional do Supremo Tribunal de Justiça pronunciara-se horas antes. Em Janeiro, dispensara Chávez da nova tomada de posse. Entendendo que um novo mandato tinha então começado, o vice-presidente assumiria agora a presidência. Nessa qualidade, poderá candidatar-se à sucessão.
Faltavam poucas horas para o Conselho Nacional Eleitoral agendar as eleições para 14 de Abril, um domingo, e a campanha já tinha começado.
Henrique Capriles Radonski, que enfrentou Chávez em Outubro e se prepara para enfrentar Maduro, rompeu o silêncio, que guardara “por respeito”. Acusou o tribunal superior de favorecer o adversário. “Precisas do abuso de poder [Nicolás], precisas de utilizar os poderes do Estado para ir a eleições?”, questionou, numa conferência de imprensa transmitida pela Globovisión.
A Mesa da Unidade Nacional, a grande coligação que se formou contra o Partido Socialista Unido da Venezuela, recusou-se a assistir à sessão extraordinária marcada para a Academia Militar. O presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, transferiu-a para o Parlamento, mesmo assim, apenas os membros eleitos por um dos partidos, o Copei, marcaram presença.
Em peregrinação
A trégua acabara. A trégua acabara e isso sentia-se, ainda que de modo simbólico, naquela rua de Cumbres de Corumo, ao som metálico, repetido, das caçarolas, a remeter para as noites de “caçarolaço” do início da década, quando a oposição tentou, de diversas maneiras, livrar-se do tenente-coronel Hugo Chávez.
Perto da Academia Militar, continuava a peregrinação para dizer adeus a Hugo Chávez. A mulher que passeava o cão na sexta-feira à noite, passara por lá, com o marido e com os filhos, no princípio da tarde, estava a missa no princípio, só para apreciar o movimento. Sentira-se “esmagada”.
Nos últimos 14 anos, a mulher que passeava o cão, uma empresária, de 42 anos, nunca conseguiu ver em Hugo Chávez mais do que um populista com mais dinheiro do petróleo do que qualquer outro Presidente da Venezuela alguma vez tivera para distribuir. Sempre lhe pareceu que o seu apoio eleitoral era, se não fraudulento, pelo menos clientelar. Agora, o confronto com a devoção.
A devoção salta das filas que se estendem até à capela onde o corpo de Hugo Chávez está desde quarta-feira em câmara ardente. Quem quiser declarações calorosas, por vezes chorosas, basta ir perguntando, ao acaso: por que é, para si, importante estar aqui, neste momento?
Andreina Molero, atleta, 32 anos, grata por ter recebido as chaves de uma casa digna, até faz uma careta. “Essa pergunta não se faz!” Se qualquer dúvida houvesse sobre a grandeza de el comandante, ela esperava que se desfizesse naquele instante. Afinal, onde já se viu 32 chefes de governo numa cerimónia fúnebre?
Hugo Chávez estava a ter uma cerimónia fúnebre à sua medida. Foram três horas em directo para todas as rádios e todas as televisões que emitem em sinal aberto. Arrancou com o hino nacional, entoado pela Orquestra Sinfónica Simón Bolivar. O bispo Mário Moronta leu uma passagem do Evangelho segundo São João. No fim, música llanera – Cristóbal Jiménez cantou “Canto al Alto Apure”, que Chávez tantas vezes cantava.
Puxa-se conversa cinco, dez, quinze vezes e o sentido do discurso mantem-se. “É o maior líder que Deus nos deu!”, exclamou, por exemplo, Juleima Contreras, 34 anos, vinda de San Cristóbal, a 12 horas de Caracas. “Ele não morreu. Ele vive em todo este povo que continua a amá-lo.”
Era um risco da “revolução bolivariana”, amiúde apontado por analistas políticos, como Ricardo Sucre. Que aconteceria ao chavismo se, um dia, Chávez faltasse? Proliferam líderes de base e intermédios, mas ninguém tem uma dimensão comparável à do fundador do chamado “socialismo do século XXI”.
Dir-se-ia que Chávez resolveu o problema na última comunicação que fez ao país, a 8 de Dezembro, antes de partir para Cuba, onde se submeteu à última operação cirúrgica. Se algo lhe acontecesse, gostaria que votassem em Maduro, lembrava, na fila, Ronald Rios, de 30 anos. “Quem lhe negará o último desejo?” A este trabalhador social, “implicado no processo”, parece evidente que “a revolução bolivariana sai reforçada com o desaparecimento físico de el comandante.
Falava na morte, tinha consciência dela, apesar de muitos dos seus seguidores o verem como invencível. Quando cometiam erros, contou Maduro, durante a cerimónia fúnebre, Chávez perguntava-lhes: “Que vão fazer quando eu morrer?” “Ele deixou tudo arranjado. É connosco fazê-lo ou não.”
A oposição parece atordoada. Isso notava-se até na montanha El Ávila, sítio usado por muitos caraquenhos para caminhar. No sábado de manhã, alguns opositores deixavam escapar desabafos. “Para quê votar, agora?”, perguntava uma rapariga, no topo do percurso. “Sim, são mais seis anos disto”, retorquia a amiga.
Modelo económico precisa de ajustes
Quem vier a ganhar as eleições enfrentará uma situação económica complexa, explicou, numa conversa telefónica, o economista José Manuel Puente. O país beneficiou, desde 2004, de elevados preços do petróleo. Com o aumento de gasto público, em salários, pensões, subsídios, disparou o consumo das famílias e a produção nacional está muito longe de satisfazer a procura.
Correspondem a petróleo 97% das exportações. Segundo o Banco Central, em 2012, as importações representavam 33,3% da oferta existente nos mercados venezuelanos. No quarto trimestre, apesar do petróleo estar a 98 dólares por barril, e do país ter ganho 24 mil 626 milhões de dólares, os gastos foram tantos que a balança de pagamentos fechou com um défice de 598 milhões de dólares.
Mesmo que ganhe Maduro, o modelo actual terá de sofrer ajustes. O desequilíbrio económico já o obrigou a tomar medidas. A 9 de Fevereiro, Maduro desvalorizou o bolívar face ao dólar, lembra José Manuel Puente. Houve uma variação de 4,3 para 6,3. E isso tem implicações, desde logo, no preço de alimentos e medicamentos.
Mal se soube da notícia da morte de Chávez, na terça-feira, o primeiro impulso de alguns foi ir ao supermercado e à farmácia. Na quarta-feira, estiveram a abarrotar desde manhã até à noite. Na quinta-feira, reabriram restabelecidos. Neste sábado, na Central Madeirense faltava açúcar, farinha de trigo, e manteiga. É o controlo de divisas a fazer das suas, comentava o marido da mulher que passeava o cão. Talvez agora, com a campanha eleitoral, para controlar a inflação e diminuir a escassez de produtos no mercado, o Governo acelere a entrega de dólares para as importações.
Notícia substituída às 22h43