Estimulação do cérebro mostrou-se eficaz a tratar anorexia
Estudo publicado na Lancet dá pistas para novos tratamentos dos sintomas da anorexia através da colocação de eléctrodos no cérebro.
O grupo de investigadores do Krembil Neuroscience Centre da University Health Network, em Toronto, conseguiu demonstrar que a técnica de estimulação cerebral profunda pode ser uma solução para o tratamento de doentes com anorexia nervosa que têm resistido a outros tratamentos. O ensaio piloto para este distúrbio alimentar, que se traduz numa redução limite da quantidade de alimentos ingeridos, ainda está na fase 1, mas os cientistas estão entusiasmados com os resultados.
A técnica está em fase experimental e só algumas das doentes mostraram melhorias. Depois de nove meses de tratamento, três das seis mulheres que estão no ensaio tinham engordado e mostravam estar psicologicamente melhor. Duas delas conseguiram mesmo integrar um programa específico para pessoas com distúrbios alimentares.
Para estas três doentes, “este foi o período mais longo de aumento sustentado do Índice de Massa Corporal (IMC)” – que avalia a relação entre peso e altura – desde o início da doença. Uma das participantes tinha um IMC de 11, quando o normal para o seu caso era entre 18,5 e 24,9, e conseguiu chegar aos 21.
A técnica, conhecida como estimulação cerebral profunda, esteve associada a melhorias no humor, ansiedade e depressão sendo que os investigadores perceberam que há diferenças estruturais e funcionais no cérebro das pessoas com e sem anorexia, que influenciam sintomas como a ansiedade ou a percepção do próprio corpo. Contudo, três das seis mulheres não mostraram qualquer ganho de peso e os cientistas justificam este facto com “vários eventos adversos associados”, incluindo o caso de uma doente que sofreu uma convulsão. Outros efeitos adversos incluem dor, náuseas ou ataques de pânico.
Mais de 50 hospitalizações
A idade média das participantes no estudo é de 38 anos e têm a doença há cerca de 18 anos, também em média. Cinco das seis participantes, além da anorexia, têm outras patologias psiquiátricas diagnosticadas, como depressão e transtorno obsessivo-cumpulsivo. Ao todo, desde que lhes foi diagnosticada a doença, foram hospitalizadas mais de 50 vezes, sendo que cinco delas tinham estado em unidades de cuidados intensivos e quatro chegaram a ser alimentadas com a ajuda de uma sonda.
Quanto ao procedimento, os investigadores adiantaram que as mulheres estavam acordadas durante a estimulação para perceber, em tempo real, os efeitos que cada eléctrodo tinha. Quando foram encontrados os níveis ideais, os eléctrodos foram ligados a um aparelho que emite impulsos eléctricos colocado debaixo da clavícula direita de cada participante e que é semelhante a um pacemaker cardíaco e que permitirá manter os estímulos definidos. Este é aliás um método muito semelhante a uma cirurgia utilizada para controlar os tremores associados à doença de Parkinson.
“Estamos realmente a alcançar uma nova era na compreensão do cérebro e do papel que pode desempenhar em certos distúrbios neurológicos”, resumiu Andres Lozado, um dos investigadores do estudo e neurocirurgião no Krembil Neuroscience Centre of Toronto Western Hospital, onde foram realizadas as intervenções cirúrgicas de estimulação cerebral profunda. “Identificando e corrigindo alguns circuitos cerebrais associados aos sintomas de algumas destas patologias, encontramos opções adicionais para tratar esta doença”, acrescentou, explicando que a estimulação permite tratar não directamente a anorexia mas sim sintomas como depressão, ansiedade e imagem corporal – que costumam dificultar e influenciar muito a recuperação.
“Existe uma necessidade urgente de terapias adicionais que ajudem quem sofre de anorexia severa. Os distúrbios alimentares têm das taxas de mortalidade mais elevadas entre as doenças mentais e cada vez mais e mais mulheres morrem de anorexia. Qualquer tratamento que potencialmente mude a história natural da doença não está só a oferecer esperança mas a salvar vidas”, insistiu Blake Woodside, outro dos investigadores e director de um dos maiores programas sobre distúrbios alimentares do Canadá.
Os investigadores esperam que o seu trabalho contribua para o aparecimento de novos tratamentos para a anorexia nervosa, mas também para a compreensão dos vários factores que estão envolvidos nesta doença crónica que afecta cerca de 1% das pessoas em todo o mundo e que geralmente é diagnosticada em mulheres jovens, com idades entre os 15 e os 19 anos.