Adam Lanza seria autista? É pouco provável e isso não explica o crime

Informações não confirmadas sobre doença de que sofreria o autor do crime na escola Sandy Hook geram polémica nos EUA e podem ser aproveitadas como argumento pelo lobby das armas

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A casa onde vivia Adam Lanza com a mãe, hoje cena de investigação do crime John Moore/AFP

O autor do massacre na escola de Sandy Hook seria autista - sofreria da síndrome de Asperger, uma forma de autismo altamente funcional. Esta ideia começou a ser sugerida desde que se conheceu a identidade do atirador, o jovem de 20 anos Adam Lanza, recordado como alguém com dificuldade em se relacionar com os outros. Mas nunca foi confirmada - e nem sequer faz sentido, dizem os especialistas. Esta ideia está é a ser aproveitada pelo lobby das armas, para colocar a questão como um problema de saúde mental e não da facilidade com que os americanos têm acesso a armamento poderoso.

"Eu que trabalho com jovens autistas dos dois aos trinta e tal anos, embora não conhecendo Lanza, o que posso dizer é que, pelo que sei do caso, não acredito que tivesse Asperger", diz Guiomar Oliveira, pediatra do desenvolvimento do Hospital Pediátrico da Universidade de Coimbra, especialista no tratamento do autismo.

O ataque, nota, "teve de ter algum planeamento". E, de facto, antes de matar 26 pessoas, na última sexta-feira, Adam Lanza tirou o disco duro do seu computador e partiu-o com um martelo ou outra ferramenta, para que não fosse possível recuperar os documentos lá guardados ou conhecer o seu historial de navegação de Internet ou uso do email. Talvez seja possível recuperar alguma dessa informação - tudo depende do grau de destruição do disco duro e de Lanza ter ou não telemóvel com que acedesse à Internet, por exemplo, ou de saber se usaria a sua consola para jogar online Call of Duty - Black Ops, que parecia ser o seu jogo de vídeo preferido nos últimos tempos.

A destruição do disco duro do computador, e todo o planeamento necessário para o ataque à escola e infantário de Sandy Hook em Newtown, no Connecticut, não deixam dúvidas a Guiomar Oliveira. "Revela uma função executiva - uma capacidade para preparar os meios para atingir um determinado objectivo que não é de uma pessoa autista."

"Além disso, estas pessoas não têm maus instintos - podem agredir alguém que lhes faça algo que não lhes agrade, isso pode acontecer, mas não o fazem de propósito. Não há premeditação", explica.

Uma mãe com um blogue polémico

Apesar destas explicações, a associação do massacre de Sandy Hook a um possível autista gerou ansiedade nos EUA - pelo menos entre os pais e crianças que lidam com o problema, que é uma desordem do desenvolvimento neurológico e não uma doença mental.

Os pedidos de ajuda das linhas de apoio da associação Autism Speaks subiram 130% desde sexta-feira passada, diz a Time. "Várias famílias relatam que os colegas dos filhos dizem "ouvi dizer que o atirador tem autismo, o teu irmão ou irmã não é autista?" Parece que querem atribuir as culpas ao facto de o atirador poder ter autismo", comentou Peter Bell, presidente da Autism Speaks.

Esta ideia ganhou ainda mais protagonismo porque uma mãe colocou no seu blogue um post reproduzido por várias publicações online e partilhado milhões de vezes, com o título "Eu sou a mãe de Adam Lanza", em que partilhava as dificuldades que sentia com o seu filho, uma criança de 13 anos extremamente difícil e com acessos de violência, mas sem diagnóstico fácil. Lisa Long, de forma não substanciada, equiparava-o a autores de assassínios em massa, como Adam Lanza, James Holmes (o assassino de Aurora, no Colorado, que matou 12 pessoas e feriu 58) ou Seung-Hui Cho, que matou 32 pessoas na universidade Virgínia Tech.

A polémica em torno do post de Lisa Long fez com que a atenção se centrasse no tratamento das doenças mentais nos EUA. Esta área da saúde tem sofrido grandes cortes: há 4,35 mil milhões de dólares a menos desde 2009 nos orçamentos dos estados consagrados aos cuidados psiquiátricos, nota a agência AFP, e perderam-se 10% das camas nos hospitais psiquiátricos.

Aproveitamento republicano
 
Mas, por outro lado, o argumento "saúde mental" tem servido os que defendem o lema do lobby das armas: "Não são as armas que matam, são as pessoas". David Rivkin, um constitucionalista que trabalhou nas administrações Reagan e Bush, disse que o "problema não é a propriedade das armas, mas antes as doenças mentais".
 
"Os republicanos dizem que querem acabar com a violência, mas têm tentado pôr fim à discussão", afirmava ontem o New York Times em editorial. "Ao ouvi-los, parece que o massacre de 20 crianças e sete adultos só teve a ver com o sistema de saúde. Ou com Hollywood e os jogos de vídeo e a cultura de violência. Na verdade, tem a ver com armas e balas e o acesso às mesmas."

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