Demissões na Casa da Música dizem respeito à secretaria de Estado e não ao primeiro-ministro
Para o director artístico da Casa da Música, António Jorge Pacheco, ainda há tempo "para o Estado rever a sua posição".
Assim defendeu Jorge Barreto Xavier, secretário de Estado da Cultura, explicando que não se pode “sobrecarregar” o primeiro-ministro com a questão da demissão em bloco da administração da Casa da Música em protesto contra o corte orçamental de 30%. Barreto Xavier falava ontem ao PÚBLICO à saída do plenário, na Assembleia da República, a propósito do ACE (Agrupamento Cultural de Empresas), que envolve os teatros nacionais, o São Carlos, a Companhia Nacional de Bailado (CNB) e a Cinemateca, mas acabou por ser interpelado sobre a Casa da Música.
“Naturalmente o Governo acompanha todos os casos que dizem respeito à actividade governativa, mas esta é uma matéria que diz respeito directamente ao secretário de Estado da Cultura e é minha responsabilidade acompanhá-la”, acrescentou o responsável, admitindo ter recebido a notícia da demissão com “perplexidade”. “Falei várias vezes com a administração e da última vez, inclusive, manifestei o meu interesse e abertura para trabalhar com eles no que diz respeito ao ano de 2013”, disse Barreto Xavier, insistindo, porém, que a decisão do Estado de cortar 30% no apoio à Casa da Música já tinha saído em despacho do Governo, ou seja, tinha sido tomada antes de ter assumido o cargo de secretário de Estado.
Barreto Xavier está a ser acusado de ignorar um acordo que o seu antecessor, Francisco José Viegas, tinha estabelecido com a instituição em Abril deste ano, em que garantia que, à semelhança do que acontece no Centro Cultural de Belém (CCB), o corte seria apenas de 20%. “Acho que há aí um qualquer tipo de mal-entendido e esse mal-entendido certamente não me é imputável, mas também não será imputável ao meu antecessor”, garantiu o secretário de Estado, que momentos antes tinha sido questionado pela deputada do PS Inês de Medeiros sobre o assunto. E mais sobre o CCB não quis falar. “Diz que não havia nenhuma formalidade, que nada estava escrito, mas existem as actas das reuniões do conselho de fundadores com as palavras do anterior secretário de Estado...”, interpelou a deputada.
Também o deputado do PCP Miguel Tiago lembrou que o “Governo, através do secretário de Estado, assumiu compromissos claros” que não podem ser ignorados. Mas Barreto Xavier respondeu, sem entrar em detalhes, que “as actas de reuniões de entidades terceiras não configuram a decisão do Governo”. “Aquilo que configura a decisão do Governo é nomeadamente o despacho do Governo que tem a informação de que o meu antecessor despachou o valor de corte de 30% em relação à Casa da Música”, acrescentou.
De acordo com estas actas, a que o PÚBLICO teve acesso, Viegas assume que o corte previsto na legislação é de 30%, mas que se manterá para a instituição nos 20% devido a uma “dívida antiga que existia na Cultura para com a Casa da Música relacionada com a integração dos músicos da Orquestra na Fundação Casa da Música. Assim, lê-se na acta da reunião de 26 de Abril, “a Secretaria de Estado da Cultura, por sua conta e risco, [...] anuncia que [o corte] será apenas de 20%”, tendo Viegas “garantido a manutenção para o ano de 2012 e 2013 da dotação de 8 milhões de euros”, valor agora contrariado pelo actual secretário de Estado da Cultura.
Para o director artístico da Casa da Música, António Jorge Pacheco, “ainda há tempo para o principal fundador da Casa da Música [o Estado] rever a sua posição e demonstrar bom senso”. “Nunca é tarde para se tomar uma boa decisão”, disse Pacheco, lembrando que, embora esteja garantida a programação prevista para 2013, a preparação da programação de 2014 já deveria estar muito adiantada e não está porque a instituição não sabe o dinheiro que terá. A longo prazo, já a pensar em 2014, Viegas tinha-se também comprometido a tentar, “por escala, regressar, no mais curto espaço de tempo, à dotação inicial”.
A Casa da Música em números
A partir da criação da Fundação Casa da Música, em 2006, os custos anuais do Estado com a instituição foram decrescendo significativamente. Em 2005, a Casa da Música e a então Orquestra Nacional do Porto custaram ao erário público 15 milhões de euros. Em 2011, com a orquestra entretanto transformada na Orquestra Sinfónica do Porto, e já plenamente integrada na Casa da Música, a dotação do Estado foi de 8,5 milhões, aos quais acrescem 250 mil euros da transferência anual da Câmara do Porto.
Esta redução da dotação estatal foi sendo acompanhada por um crescimento das receitas próprias e de um significativo aumento do mecenato. Entre 2006 e 2011, as receitas de bilheteira e outros proventos próprios cresceram de 1,34 para 3,99 milhões de euros, ao passo que o mecenato, depois de um primeiro grande salto entre 2006 (89 mil euros) e 2007 (1,99 milhões de euros), se fixou no ano passado em 2,69 milhões, representando cerca de 18 por cento do total das receitas.
No mesmo período de 2006-2011, a actividade da Casa da Música foi-se tornando progressivamente mais intensa. Em 2011, programou 1640 eventos, aos quais assistiram cerca de 260 mil espectadores, um número que cresce para mais de meio milhão se contabilizarmos todos os que visitam o edifício projectado por Rem Koolhaas, mesmo que não assistam a nenhum concerto ou a outro qualquer evento, e ainda os que participam nas iniciativas promovidas pelo Serviço Educativo.
Uma das dimensões mais elogiadas da Casa da Música é justamente o papel do seu Serviço Educativo, que trabalha com escolas, mas também com idosos ou com as comunidades de bairros sociais, hospitais ou prisões. Só em 2011, promoveu 1197 actividades, que envolveram cerca de 50 mil pessoas.
Contando com todos os seus departamentos e grupos residentes, a Casa da Música emprega cerca de 200 pessoas, metade das quais são músicos da Orquestra Sinfónica do Porto.