Um ano depois da morte de Cesária Évora, a morna é património de Cabo Verde

“Não há maneira mais sublime, mais justa, de expressar os sentimentos” do que através da morna, diz ao PÚBLICO o compositor favorito de Césaria Évora. Cabo Verde já pensa avançar para uma candidatura deste género musical a Património Imaterial da Humanidade.

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Cesária Évora morreu há um ano DR

Essa mesma intenção foi anunciada pelo porta-voz do Conselho de Ministros cabo-verdiano, Jorge Tolentino, que salientou que o Ministério da Cultura está a ultimar uma Comissão Nacional para preparar um dossier e actuar junto da UNESCO. Segundo a mesma fonte, a ideia original foi da cantora cabo-verdiana Celina Pereira. O diploma entrará em vigor já na próxima segunda-feira.

A notícia foi recebida com satisfação por cantoras de Cabo Verde como Nancy Vieira. “Sinto-me muito orgulhosa como todos os cabo-verdianos e como intérprete da morna”, disse ao PÚBLICO. “A morna é a nossa expressão máxima e através dela conseguimos uma grande visibilidade no mundo, principalmente através da voz da Cesária Évora. Agora que seja também património mundial.”

Outra cantora de Cabo Verde, Ana Firmino, disse-nos que “a morna está para Cabo Verde, como o fado para Portugal, ou o chorinho para o Brasil, por isso faz sentido que seja distinguido”. Para Firmino este é “mais um passo decisivo” para elevar a morna à condição de património imaterial, como já acontece com o fado.

O nome de Cesária Évora surge a todo o momento quando se tenta explicar o sucedido. O seu compositor preferido e o autor que mais escreveu para ela, o músico Teófilo Chantre, diz-nos que “não há maneira mais sublime, mais justa, de expressar os sentimentos” do que através da morna. “Espero que este acontecimento vá no sentido de preservar todo o legado da morna. E nesse sentido espero que sejam libertados meios para manter tradição da morna, ao nível da música, dos instrumentos e da poesia.”

Depois da morte de Cesária Évora (que aconteceu, fará na segunda-feira, dia 17, um ano), fala-se muito em substitutas, ao nível de cantoras como Lura ou Nancy Vieira, mas esta prefere falar em continuadoras. “A Cesária abriu as portas a uma nova geração de cantores e cantoras, da qual faço parte, mesmo antes do seu desaparecimento físico. Todos nós beneficiamos das portas que abriu. Depois da morte dela fala-se em substitutas – mas não gosto da palavra. Prefiro falar em seguidoras. Isso sim. Foi ela que levou a alma deste país tão pequeno, que aparentemente não tem nada, ao mundo todo.”

A morna é um género musical tradicionalmente tocado com instrumentos acústicos, reflectindo a realidade insular da população de Cabo Verde, o romantismo dos seus trovadores e o amor à terra, o ter de partir e querer ficar, a saudade. Principalmente nas duas últimas décadas, a morna tornou-se conhecida mundialmente, em parte pelo sucesso internacional da cantora Cesária Évora.

Precisamente por isso, a Diva dos Pés Descalços, como era conhecida, vai ser homenageada sábado num espectáculo a decorrer na ilha de Santo Antão, em Ribeira da Torra. Bonga, Nancy Vieira, Sara Tavares, Lura e Tito Paris integram o cartaz.

Além da morna, o Ministério da Cultura cabo-verdiano, tutelado pelo músico, compositor e escritor Mário Lúcio, está a ponderar elevar os outros géneros musicais do arquipélago (tabanka, batuque e funaná) também a património nacional. O Ministério da Cultura está ainda a trabalhar para apresentar a candidatura da Crioulização e do Espaço Virtual como patrimónios imateriais da humanidade, tal como já afirmou Mário Lúcio.