Reacções: "Um anfitrião especial"

Cinco encenadores (Jorge Listopad, Ricardo Pais, Rogério de Carvalho, Pedro Penim e João Garcia Miguel) e a presidente da Câmara de Almada reagem à morte de Joaquim Benite. O director do Teatro de Almada entre amigos.

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Joaquim Benite fotografado na sua casa, em Julho de 2004 Carlos Lopes/Arquivo

"Um anfitrião especial"
Com a morte do Joaquim Benite, o teatro português perde um companheiro leal e generoso, coisa rara no país. Era um encenador com grande sentido estratégico do seu próprio trabalho, autoridade cénica e muito ágil, apesar de duro. Era também um homem muito bondoso, apesar de não parecer, e foi líder de uma obra cuja produção é única, primeiro em Campolide e depois no Trindade e em Almada.

Era um anfitrião especial. Ninguém, se não ele, teria feito O Mercador de Veneza na sua própria casa e, pouco tempo depois, convidado outro encenador para trabalhar o mesmo texto. Conheci-o de longe logo em 1974, quando regressei a Portugal, mas só há seis ou sete anos é que começámos a ouvir-nos mais, a privar de perto. Já doente, o Joaquim viu duas vezes o meu Mercador… em Almada e sei que estava orgulhoso. E eu fiquei orgulhoso com isso. Ele tinha uma grande tolerância perante as nossas diferenças e essa tolerância é uma das marcas que deixa no teatro em Portugal. Depois há a do teatro como instrumento político, que lhe foi muito útil na fidelização de audiências e na educação primorosa do público que se deve ao Festival e ao Teatro de Almada.

Ricardo Pais, 67 anos, encenador

 

"Uma visão concreta do teatro"
O Joaquim Benite era um grande encenador e homem de teatro. Devemos-lhe, sobretudo, o Festival Internacional de Almada, reconhecido em todo o mundo, coisa única no teatro português. Era um director artístico com qualidades singulares, muito atento, um homem atencioso com quem trocava ideias e que me ensinou muito com o seu profundo conhecimento do teatro.

Lembro-me muito bem do seu D.Quixote no Grupo de Teatro de Campolide. Lembro-me do seu grande entusiasmo. O Joaquim tinha uma visão concreta do que o teatro devia ser a cada nova encenação e isso estava muito presente na forma como dirigia, na função política que lhe atribuía. O Grupo de Campolide marcou a cena portuguesa, como mais tarde o Festival de Almada e o [teatro] municipal. Era a dimensão social que conferia ao teatro que tornava tão profunda esta sua visão. O seu Brecht, o Thomas Bernhard… Tudo isto ficará comigo. E eu, que moro em Almada, vi quase todas as suas encenações. Acompanhávamos a carreira um do outro e ele tratou-me como um encenador da casa. Era muito esforçado, trabalhador, e tinha sempre uma preocupação pedagógica, sobretudo com os actores. A sua morte é dura, mesmo quando sabemos que deixa uma memória imensa no nosso teatro.

Rogério de Carvalho, 76 anos, encenador

 

"Dureza emocionante e comovente"
Para mim, e para uma enorme geração de pessoas como eu, o Joaquim Benite foi tudo. O seu festival mostrava-nos o teatro mais teatro, o mais experimental, o que não tinha medo de arriscar. Almada foi um grande complemento na formação porque contribuiu muito para a minha compreensão da experiência do teatro. Eu e o Joaquim tínhamos uma relação próxima, às vezes conflituosa. Éramos parceiros mas também discutíamos a sério, de maneira profunda e apaixonada.

Ao Joaquim, que acompanhou muito a minha carreira, ia buscar muitas vezes a força necessária para construir o dia-a-dia. Em Almada fui convidado como actor, como encenador, como orador. Começámos por ser duas pessoas com visões muito diferentes mas, ao longo dos anos, o teatro foi-nos aproximando, tornou-nos amigos à mesa dos cafés. Via-o como um mentor. Era um teimoso. Extremado em todas as coisas. Tivemos discussões duras, violentas, mas depois ele esquecia. Havia uma certa poesia na dimensão belicosa do Joaquim. Tinha um lado político, artístico e humano que se sobrepunha a tudo. Era um poeta da vida, de todas as coisas, do próprio teatro. A sua dureza era emocionante, comovente. Não estava com ele há já alguns meses e talvez seja por isso que hoje esta notícia me custa ainda mais.

João Garcia Miguel, 51 anos, actor e encenador

 

"Trabalho pioneiro"
Joaquim Benite deixa um legado de persistência e intervenção à minha geração de encenadores e directores artísticos. Impressiona-me e preocupa-me como até ao fim se debateu por condições de trabalho, cujo percurso deveria há muito ter garantido.

O seu trabalho pioneiro de implementação cultural em Almada (no festival e na companhia) serão sempre um caso a estudar para compreender a história do teatro contemporâneo português. 

Pedro Penim, 36 anos, actor e encenador

 

Primeiro a cultura, depois o edifício
É uma aventura que começa em 1978. Tive o privilégio de a viver desde o início. A construção do grande teatro muncipal nasce da necessidade de corresponder à grandiosidade deste projecto cultural construído ao longo dos anos. Nós não construímos um grande teatro e depois começámos a fazer cultura.  

Maria Emília de Sousa, presidente da Câmara Municipal de Almada

 

O Municipal de Almada como último acto treatral
A obra do Joaquim Benite equilibrava-se, com alguma dificuldade, entre a vida e a morte. Ele era um companheiro, um camarada e um amigo. Eu explico: um companheiro porque foi alguém que partilhou connosco o pão (também o pão teatral) e sobretudo o porco preto nas viagens que fazíamos a Espanha para assistir ao Festival de [Teatro Clássico] de Almagro; um camarada no sentido mais próximo da palavra, o que quer dizer “alguém que se preocupa connosco”; e amigo não é preciso dizer mais… Ele era amigo do seu amigo e, suspeito, amigo do seu inimigo também. Seguia tudo o que ele fez, primeiro em Campolide e depois em Almada. Aliás, se me é permitido dizer, o seu último grande acto teatral foi o Municipal de Almada. É um dia muito triste para mim. Muito triste.

Jorge Listopad, 91 anos, dramaturgo e encenador
 
 

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