Os "corajosos, irresponsáveis ou optimistas" que decidem ser pais

 

Na verdade, se atentarmos nos tempos que correm e sobretudo nos níveis de esperança em tempos melhores, pode parecer algo pouco prudente trazer gente nova para o nosso mundo. No entanto, coloco a questão noutros termos. Trazer gente nova para este mundo, fenómeno inscrito na própria essência de ser gente, pode ser justamente a melhor forma de nos
envolvermos na construção de um futuro em que caibam crianças, e caibam de forma protegida e bem sucedida, podendo assim constituir-se como uma espécie de "regulador" ético das decisões e comportamentos.
 
A questão é que não temos sido suficientemente competentes na construção de contextos "amigáveis" da paternidade e, portanto, facilitadores das decisões das famílias nesse sentido. De recordar que trabalhos recentes evidenciam que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família, sendo também vários os estudos que sugerem que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa, uma primeira questão a ponderar.
 
Como parece claro, este cenário, menos filhos quando se deseja fortemente compatibilizar maternidade e carreira, determina a urgência no repensar das políticas de apoio à família, veja-se o que se passa noutros países no que respeita a este universo. Os salários baixos são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz,
os projectos relativos a filhos.
 
Por outro lado, Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é mais um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos e que é particularmente relevante em tempos de cortes fortíssimos nos rendimentos familiares.
 
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
 
Toda esta situação torna prioritária a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida. Importa ainda combater a discriminação salarial e de
condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
 
Como dizia acima, temos de ser mais competentes na construção de dispositivos legais, institucionais (quantidade, qualidade e acessibilidade das respostas) e económicos mais amigáveis e facilitadores da paternidade. Na verdade, não sei muito bem se a paternidade representa coragem, irresponsabilidade ou optimismo, acho que tem sobretudo a ver com o entendimento de felicidade de quem assume tal dimensão no seu projecto de vida, considerando os filhos uma fonte de bem estar e, é certo, também de algumas inquietações.
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