Seguros só cobrem uma parte dos prejuízos causados pelo tornado

Relatório sobre danos causados pela tempestade, no valor de "alguns milhões", foi terça-feira entregue ao Governo pelos autarcas de Silves e Lagoa. Vento deixou polvos em terra e um caiaque numa varanda

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Em Silves, os prejuízos ultrapassam os 3,5 milhões de euros Joana van Hellemond

 

O ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, e o ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, receberam ontem, das mãos dos autarcas de Silves e Lagoa, o relatório preliminar dos prejuízos, avaliados em milhões de euros. Deste encontro, em que participaram também o secretário de Estado da Administração Local, Paulo Júlio, o secretário de Estado adjunto da Economia, Almeida Henriques, e o Secretário de Estado da Solidariedade, Marco António Costa, os autarcas saíram com a promessa de que o Governo não deixará de apoiar os respectivos municípios e que o assunto será objecto de uma resolução do Conselho de Ministros. 

Ao Governo, os autarcas de Silves, Rogério Pinto, e de Lagoa, José Inácio Eduardo, levaram as estimativas de prejuízo. Em Silves, os prejuízos nos bens públicos ascendem a 1,6 milhões de euros e nos privados aos 2,1 milhões de euros. No município de Lagoa, os danos totalizam 350 mil euros no público e 1,1 milhões de euros no privado.

Após o encontro com os autarcas, o Governo emitiu um comunicado onde reiterou “a intenção de apoiar no mais curto prazo possível as famílias e os municípios afectados, através dos instrumentos legais apropriados”. Para já, não indicação de quais serão os apoios e os valores dos mesmos à população afectada.

Os autarcas estão preocupados com o “enquadramento jurídico” para “responder” aos prejuízos dos privados, nomeadamente nos casos das “viaturas e das habitações”, como sublinhou José Inácio Eduardo, citado pela Lusa. O autarca de Lagoa alertou para os casos em que as vítimas “não têm seguro” e outras, que mesmo “tendo seguro, por qualquer circunstância, este não responde a situações destas”.

A centenas de quilómetros da sede do Conselho de Ministros, o jardineiro desempregado Duarte Ferreira sobe ao cimo do bloco de apartamentos do empreendimento LagoaSol, para substituir as telhas que o vento levou. "Não sou pedreiro, mas dou uma ajuda ao meu irmão - temos de ser uns para os outros, principalmente nestas ocasiões." Estes gestos de solidariedade repetem-se um pouco por toda a área atingida pelo tornado. Enquanto em Lagoa os prejuízos incidiram mais nas habitações, em Silves foram os equipamentos municipais e espaços públicos os mais atingidos.

Os peritos das companhias de seguros deixaram, à entrada dos blocos de apartamentos, os números de telefone de contacto, só que boa parte dos prejuízos não estão cobertos pelas apólices. "A companhia de seguros só me vai pagar as portas e janelas, e eu tenho o apartamento todo destruído", diz o pescador Ruben Silva. Pelas contas que fez, e os orçamentos que pediu, pensa que, para recuperar a casa, vai precisar dos 15 a 20 mil euros, que não tem. "Foram-se dez anos de trabalho", desabafa. 

A mulher, Sandra Grade, funcionária administrativa, viveu sozinha o momento da passagem do tornado "Estava em casa, a dar de mamar ao bebé de três meses." O outro filho, de quatro anos, estava na escola. "Enrolei o bebé numa toalha e fugi para a casa de banho." As paredes do apartamento, picadas pelos estilhaços dos vidros, retratam a violência da tempestade. O apartamento está ser pago, a prestações, ao banco, "mas o recheio não estava coberto". Os brinquedos da criança, conta a mãe, "foram encontrados debaixo de uma figueira, e alguns dos móveis que desapareceram porta fora ainda não apareceram".

No posto da GNR, 90 pessoas relataram prejuízos, mas também houve quem tentasse aproveitar-se da desgraça alheia. "Registaram-se tentativas de furto de perfis de alumínio, mas actuámos de imediato", relata um graduado da GNR, acrescentando que foi "reforçada a vigilância nas ruas, dia e noite". Na avaliação da câmara, os prejuízos de particulares atingem 1, 127 milhões e a reparação dos equipamentos públicos vai custar 350 mil euros.

Ao fundo da rua, no pára-brisas partido de um carro, está um papel com um anúncio de alguém que viu no tornado uma oportunidade de negócio: "Compro todo o tipo de carros, com ou sem inspecção ou avariados." A seguir ao número de telemóvel, em letras garrafais, uma informação complementar: "Pago na hora."

Com passos lentos, aproxima-se Albertina Raposo. "Não consigo dormir sem a ajuda de comprimidos", desabafa. Desde sexta-feira, a idosa, viúva, passa os dias a reviver a tragédia. "Pensei que seria o fim do mundo", confidencia. 

Em Silves, a cabeleireira Teresinha está à porta do salão, no rés-do-chão do complexo de piscinas municipais que ficou sem cobertura. "Estamos abertos, mas não temos clientes."

A vida tende a regressar à normalidade. O presidente da Câmara de Silves, Rogério Pinto, exalta a solidariedade dos munícipes: "Formou-se um cordão humano, telha a telha, reconstruiu-se o telhado da câmara." Assim, o que julgava improvável aconteceu. Os serviços camarários reabriram, em pleno, na segunda-feira. O valor dos prejuízos, não concretiza, estão avaliados em "alguns milhões". Teresinha foi um dos cerca de mil voluntários envolvidos na limpeza da cidade. "Encontrei três polvos, aqui no parque, que vieram do mar com o vento", relata, surpreendida. E acrescenta: "Tenho uma cliente que ficou com um caiaque no terraço." No mercado municipal - um dos edifícios públicos sem cobertura - os vendedores temem que a chuva, prevista para hoje, obrigue ao encerramento do espaço.
 

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