Morreu Oscar Niemeyer, o último grande arquitecto do século XX
Nascido no Rio de Janeiro, a 15 de Dezembro de 1907, estava perto de celebrar os 105 anos. Niemeyer foi um dos grandes criadores da arquitectura do século XX, revolucionando o uso do betão.
Para a Presidente Dilma Rousseff, o Brasil perdeu “um dos seus génios”. “É dia de chorar a sua morte. É dia de saudar a sua vida”, disse num comunicado oficial. “Niemeyer foi um revolucionário, o mentor de uma nova arquitectura, bonita, lógica e, como ele mesmo definia, inventiva", continua o texto, acrescentando que "da sinuosidade da curva, Niemeyer desenhou casas, palácios e cidades".
Niemeyer, com a sua arquitectura livre, permitiu que o betão armado criasse pela primeira vez formas verdadeiramente plásticas, gerando uma nova espacialidade para um novo Brasil. O arquitecto foi o principal artífice de Brasília, cuja construção começou em 1957.
No Hospital Samaritano, onde morreu, ainda trabalhou, contou o seu médico, Fernando Gjorup. Só perdeu a consciência na manhã de quarta-feira. O prefeito de Rio, Eduardo Paes, declarou que no hospital todos estavam tristes com a morte "dessa grande figura". "Niemeyer ensinou-nos a como amar a vida nestes 104 anos. Foi uma pessoa que acreditou até ao fim nos seus ideais."
Nascido no Rio de Janeiro, a 15 de Dezembro de 1907, estava perto de celebrar os 105 anos. Oriundo de uma família carioca, conservadora e católica com ascendência germânica, que acompanhou a corte portuguesa, em 1807, na sua mudança para o Rio de Janeiro, Niemeyer viveu uma juventude despreocupada e protegida. Foi estudar arquitectura só tardiamente. No terceiro ano do curso, já casado com Annita Balbo, ofereceu-se para trabalhar gratuitamente no escritório de Lúcio Costa e Carlos Leão.
Com Lúcio Costa, cinco anos mais velho, inicia-se na leitura das ideias de Le Corbusier, com quem teria a possibilidade de colaborar logo em 1936, no projecto para o Ministério da Educação e Saúde, no Rio. O edifício seria o resultado de uma equipa montada por Costa, tendo Le Corbusier como consultor.
Niemeyer teria grande responsabilidade no desenho final, influenciando a posição do bloco principal no quarteirão, ou determinando a direcção horizontal dos “quebra-sóis”. Em 1939, também em uma parceria com Costa, projectou o pavilhão do Brasil para a Feira Internacional de Nova Iorque, abeirando-se já de uma espacialidade gestual, concretizada no desenho da rampa e na permeabilidade do volume, características que assinalariam a sua primeira grande ruptura com o racionalismo internacional.
O melhor, portanto, insinuava-se: “Minha arquitectura começou depois na Pampulha”. Estava-se em plena Segunda Guerra Mundial na Europa e, a serviço de Juscelino Kubitschek, futuro Presidente do Brasil, construiria quatro obras-primas à beira da lagoa da Pampulha, bairro residencial sofisticado na periferia da capital mineira de Belo Horizonte. Aqui estreava-se na exploração das capacidades plásticas que a nova técnica do betão armado possibilitava, dotando os seus edifícios de uma forte conotação formal.
Várias personalidades vieram a público prestar a sua homenagem. O cantor Chico Buarque, que conheceu Niemeyer ainda criança, porque o pai teve uma casa projectada pelo arquitecto nunca construída, disse que o arquitecto teve uma vida muito bonita. “Foi um dos maiores artistas do seu tempo e um homem maior que a sua arte", afirmou o cantor, citado pela TV Globo. <_o3a_p>
O presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, sublinhou que “é um orgulho trabalhar na obra preferida de Niemeyer em Brasília, como ele afirmara diversas vezes. Solução simples e monumental para o edifício projectado para os grandes debates nacionais, o que, de facto, acontece”, cita O Estado de São Paulo na sua edição online.
O ex-presidente da República e actual presidente do Senado, José Sarney, lembrou que teve o privilégio de conviver com Niemeyer e que, enquanto Presidente do Brasil, pediu ao arquitecto para fazer várias obras. “Se a arte brasileira tem reconhecimento internacional, deve-se à extraordinária presença que Oscar Niemeyer deixa no mundo inteiro, com o seu génio e a sua capacidade de invenção e de reinvenção a qualquer tempo."
A construção de Brasília
Quando surgiu o desafio, também lançado por Kubitschek, já Presidente da República, para a construção dos principais edifícios públicos da nova capital do país, Brasília – inaugurada em Abril de 1960 – a arquitectura de Niemeyer ressente-se desse “excesso” formalista, contraindo-se aparentemente. Os edifícios de Brasília apresentam-se geometricamente mais regrados e definidos pela estrutura, como é o caso do Palácio da Alvorada, logo de 1956, ou o conjunto da Praça dos Três Poderes. Esta nova fase seria significativa para a evolução da arquitectura brasileira, repercutindo-se no trabalho das gerações mais recentes.
A colaboração estreita que manteve com os engenheiros de estruturas transformaria a sua arquitectura num ensaio de risco permanente. Essa confiança haveria de se manifestar nas obras construídas no exílio, cumprido em plena ditadura militar. Na Argélia, recentemente independente, mais exactamente no campus da Universidade de Constantine, cumpriu um dos seus programas arquitectónicos mais arriscados, levando a técnica do betão armado a um limite aparentemente insustentável. Contra o conselho dos engenheiros franceses que propuseram que a grande viga longitudinal, que compunha a fachada, possuísse um metro e meio de espessura, adoptou a solução de uma viga de apenas 30 cm.
Niemeyer deixou obra significativa fora do seu país, chegando mesmo a construir, com Alfredo Viana de Lima, em Portugal, o Hotel Casino do Funchal, a meio da década de 60, hoje bastante desvirtuado. Foi protegido por figuras como André Malraux, em França, ou Giorgio Mondadori, que em 1968 lhe encomendou a sede da sua editora, nas proximidades de Milão.
O arquitecto tornou-se o maior embaixador da arquitectura brasileira. Isto todavia é pouco, se comparado com o contributo que deu à evolução da arquitectura moderna. Muitos dos seus edifícios tornaram-se arquétipos para os arquitectos contemporâneos. Niemeyer foi um génio e, como tal, padeceu de violentos ataques e também de elogios condescendentes. Talvez por ter medo da morte, foi aquilo que podemos descrever como um “homem feliz”.
Com Bárbara Wong