Como nasce um “terrível precedente” judicial
Os especialistas foram acusados de terem feito uma análise superficial do risco sísmico em Áquila, quando se reuniram numa comissão de risco, a 31 de Março de 2009, após meses de pequenos tremores de terra. E ainda por terem dado falsas garantias à população, antes de o sismo ocorrer. Apesar de a acusação ter pedido quatro anos de prisão, a sentença dada pelo juiz Marco Billi foi de seis.
É inédito ver cientistas condenados por uma avaliação científica. “Estou sem forças, desesperado. Pensei que me tinham ouvido, continuo sem compreender porque sou acusado”, disse Enzo Boschi, citado pela AFP. Boschi era, em 2009, o presidente do Instituto Nacional de Geofísica e de Vulcanologia de Itália. Os outros cinco cientistas, Franco Barberi, Mauro Dolce, Giulio Selvaggi, Claudio Eva e Gianmichele Calvi, eram peritos em áreas como a sismologia ou a vulcanologia. O sétimo condenado, Bernardo de Bernardinis, era então vice-director do Departamento da Protecção Civil de Itália.
Os investigadores eram professores ou quadros de topo de instituições científicas de referência na Itália, mas depois da sentença, vão deixar de poder exercer cargos públicos. Apesar de já se saber que vão recorrer — a pena só poderá ser cumprida depois de os recursos terem sido esgotados —, o caso abre um precedente judicial.
“Espero que os italianos se apercebam o quão atrasados estão nos julgamento e na sentença de Áquila”, disse Erik Klemetti, professor de geociência na Universidade de Denison, no Ohio, Estados Unidos, citado pela revista Scientific American, acrescentando que depois de quatro horas de ponderação, criou-se um “terrível precedente”.
A partir de agora, o resultado deste processo paira sobre a cabeça de qualquer cientista que tenha de fazer considerações sobre riscos naturais. Mas a sentença também deixou um sabor amargo às famílias das vítimas que estiveram no tribunal em Áquila, na segunda-feira.
“Dissemos durante três anos que o risco sísmico foi subestimado em Áquila, e finalmente o tribunal deu-nos razão”, refere Vincenzo Vittorini, que perdeu a mulher e a filha durante o sismo e representa a associação “309 Mártires”. “No entanto, o resultado deixa-me um sabor amargo, porque significa que aquelas mortes poderiam ser evitadas. Esta sentença tem de ser um ponto de partida de mudança para a forma como a prevenção do risco é feita na Itália”, disse, citado num artigo noticioso da revista Nature.
Áquila é uma cidade medieval no centro de Itália — uma região com intensa actividade sísmica. Séculos de tremores de terra levaram pessoas como Vincenzo Vittorini, nascido e educado na região, a aprender que se sai para a rua mal se sente um sismo. Mas na madrugada de 6 de Abril, quando o violento sismo de 6,3 de magnitude ocorreu, Vittorini e a família estavam em casa, mesmo depois de já terem sentido um tremor horas antes.
Mantiveram-se em casa deliberadamente, depois de terem ouvido a conferência de imprensa de Bernardo de Bernardinis, após a reunião da comissão de risco. “A comissão científica garantiu-me que a situação é favorável devido à libertação contínua de energia”, disse, a 31 de Março.
A comissão foi chamada a Áquila depois de um enxame de pequenos sismos terem posto a população com os nervos em franja, e após um técnico ter feito um prognóstico de que haveria um sismo médio. O prognóstico foi baseado num método artesanal que está longe de ser aprovado pelos sismólogos.
O sismólogo Enzo Boschi disse, na reunião da comissão, que durou apenas uma hora, que um sismo forte seria improvável, mas nunca poderia ser totalmente excluída. Mas o relatório da comissão saiu depois do sismo e o que ficou na cabeça de Vittorini e de outras famílias foram as palavras de calma proferidas por Bernardinis.
Em Junho de 2009, um grupo de cidadãos apresentou uma queixa e obrigou à avaliação do caso, o que conduziu ao julgamento dos seis peritos e de Bernardinis.
As sessões começaram mais de dois anos depois, em Setembro de 2011, e deixaram os cientistas de todo o mundo perplexos. “Em Itália vamos ver muitos mais falsos alarmes nestas situações, porque os cientistas vão escolher soar os alarmes em caso de dúvida”, disse Marcello Melandri, um dos advogados de defesa. “No final, vão se tornar cada vez menos credíveis.”