Gritar em manifestações tira a dor que vai na alma e no peito
Há uma catarse atrás do palco, na manifestação da CGTP de 29 de Setembro, depois de os Homens da Luta actuarem e antes do líder Arménio Carlos discursar. Uma grade isola o espaço. Algumas pessoas estendem os braços e chamam por Jel e Falâncio. Querem tocar-lhes, tirar fotografias, pedir um autógrafo. Outros só querem desabafar. Para os especialistas, ir a uma manifestação pode ajudar a aliviar tensões.
A 15 de Setembro, muitos portugueses saíram à rua para se manifestarem contra as medidas de austeridade e a subida da Taxa Social Única (TSU). Para Carlos Amaral Dias, psiquiatra e psicanalista, o protesto foi terapêutico. “A tristeza que não é expressa é patogénica, a tristeza falada é mais positiva”, explica. “É como no estado depressivo, quando a pessoa fala sobre esse estado, está a aliviá-lo”, refere.
Isabel Cerca, 49 anos, esteve no 15 de Setembro e foi à manifestação da CGTP. Alivia a tristeza junto de Jel. Fala-lhe ao ouvido. Jel faz um sorriso triste. E abraça-a. Isabel começou a ouvir os Homens da Luta quando eles apareceram. Primeiro, viu aquilo como uma brincadeira que a deixava bem-disposta. Depois, começou a tomar atenção ao que diziam… Há muito tempo que Isabel não falta a nenhuma manifestação. É que gritar ajuda-a: “Dá para a gente tirar esta dor que vai na alma e no peito”.
Luísa Figueira, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, não concorda com o termo terapêutico, “apenas deve ser usado para as doenças”, mas diz que as manifestações podem funcionar como catarse. “As pessoas ficam mais satisfeitas por exprimirem a sua opinião e emoções, há um sentimento colectivo de que o problema não é só delas, as pessoas estão unidas, solidárias, têm o mesmo objectivo”, precisa.
Álvaro de Carvalho, psiquiatra e director do Programa Nacional de Saúde Mental afirma que as manifestações “são uma válvula de escape e um benefício das sociedades democráticas”. E adianta: “Se está numa manifestação em que as pessoas à sua volta têm as mesmas perspectivas, isso reforça a sua auto-estima, está a comungar um sentimento de júbilo ou de protesto com outras pessoas”.
Sandro Amorim tem 23 anos. É do Porto e 29 de Setembro foi a primeira vez que esteve numa manifestação. Sandro percebeu o efeito catártico: “Aqui podemos expressar o que sentimos, a nossa angústia interna, aqui estamos todos juntos.”
Para alguns, o 15 de Setembro representou o início de um movimento de cidadania. “Portugal mudou nesse dia”, disse o sociólogo Rui Brites. Seguiu-se a concentração em frente ao Palácio de Belém, durante a reunião do Conselho de Estado, a 21 de Setembro. Oito dias depois, a CGTP juntou no Terreiro do Paço milhares para uma manifestação que, para a central, foi a maior dos últimos anos.
No estudo “Valores e felicidade no Século XXI: um retrato sociológico dos portugueses em comparação europeia”, Rui Brites apresenta valores que se considera terem impacto no bem-estar subjectivo, ou seja, na felicidade. Um desses valores está relacionado com o índice de participação cívica. Uma das conclusões é que Portugal tem o índice de participação cívica mais baixo da Europa. Os portugueses, de uma forma geral, “acham que devem ajudar os outros, a mobilizar-se, mas depois não o fazem...”, diz o sociólogo.
A 15 de Setembro foi diferente. “Houve um novo estado anímico”, garante Rui Brites, que considera que esta manifestação foi um sinal de que os portugueses são felizes. Insatisfeitos, mas felizes. “O anúncio da subida da TSU foi uma medida que contribuiu para o aumento da felicidade dos portugueses”, ironiza.
Para o sociólogo, o anúncio do primeiro-ministro aumentou a felicidade dos portugueses porque levou à mobilização. Segundo Rui Brites, quem luta por alguma coisa, está a fazê-lo em busca da felicidade.