Perfil: Chávez, o vingador

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Reuters/Palacio de Miraflores

Não é o mesmo homem que em 1998 percorreu a Venezuela numa carrinha Toyota Samurai, a fumar como um desalmado, a comer em tascas de beira de estrada, a falar com quem o quisesse ouvir, invocando Simón Bolívar e prometendo acabar com a corrupção, democratizar o petróleo, exterminar a pobreza. As aparições públicas são decididas no dia, conforme o seu estado de saúde. Não se alonga, como antes. Ainda há pouco passou por Cátia, um dos seus bastiões, em cima do camião adaptado para a campanha, e nem subiu ao palco.

Conhece bem o meio televisivo. Está habituado a usá-lo. Segundo a organização não governamental Espacio Público, desde Fevereiro de 1999 a Junho de 2012, entrou em antena obrigatória 2334 vezes, num total de 97.561 horas. Quer isso dizer que o Presidente tem entrado em casa de cada um, em média, dia sim, dia não, 42 minutos.

Apareceu pela primeira vez no pequeno ecrã a 4 de Fevereiro de 1992, como líder do golpe de Estado contra Carlos Andrés Pérez. Aquele primeiro discurso, improvisado, transmitido sem edição, despertou esperança num país agastado pela crise económica e pelos atropelos do "pacto fixo", que reduzira a governação à alternância entre dois partidos: o Comité de Organização Política Eleitoral Independente (COPEI), democrata-cristão, e a Acção Democrática (AD), social-democrata, membro da Internacional Socialista.

Ao sair da cadeia, em Março de 1994, o tenente-coronel ainda planeava alcançar o poder pela força. Reorientou-o Luís Miquilena, há muito retirado da política. Convenceu então os outros membros do Movimento Bolivariano Revolucionário 200, que fundara em 1982, a tentar a via eleitoral. "Percebemos que boa parte do nosso povo não queria movimentos violentos", recorda, no livro Un Hombre, Un Pueblo, de Marta Harnecker.

Contava apenas com o apoio do partido que fundara, o Movimento V República, e de outros pequenos partidos de esquerda. Em Janeiro de 1998, as sondagens atribuíam-lhe 9% das intenções de voto; em Outubro, 48%. Em Dezembro, venceu com 56%. Tinha 44 anos. Nunca fora conselheiro, alcaide, deputado, ministro.

"Não sou socialista"
Hugo Chávez Frias nascera em Sabaneta, no estado de Barinas, na Venezuela profunda. Filho de um professor primário, fora criado pela avó, Rosa Inês, numa casa de palma. Ela fazia doces de papaia e ele vendia-os pelas ruas. Morara com ela até ir para a Academia Militar, aos 16 anos. Adán, o irmão mais velho, é que o levara para o Partido da Revolução Venezuelana, onde conhecera Douglas Bravo, o rebelde venezuelano que o inspirara. O mau desempenho dos antecessores era consensual, como recordam Javier Corrales e Michael Penfold no livro Un dragón en el trópico. A pobreza afectava 57% da população. O PIB retomara os valores dos anos 50. O barril de petróleo estava quase nos oito dólares, o preço mais baixo em décadas. O clima favorecia o candidato que mais prometia castigar os partidos tradicionais. Esse candidato era Hugo Chávez.

"Não sou socialista", disse, ainda candidato, numa entrevista ao jornalista Jaime Bayle. Inclinava-se para a terceira via, de Tony Blair. Já em 2005 proclamou-se mentor do "socialismo do século XXI". E foi nessa qualidade que foi reeleito, com 63% dos votos, em Dezembro de 2006. Deveria despedir-se em janeiro da presidência. Mas convenceu-se de que a sua recandidatura seria necessária ao "processo revolucionário". A Constituição emendou-se, através de referendo. E ei-lo, de novo candidato, agora pelo Partido Socialista Unido da Venezuela, que fundou em 2007.

Enumera cinco objectivos estratégicos - consolidar a independência nacional; construir uma "pátria socialista, alternativa ao sistema capitalista"; converter a Venezuela numa potência social, económica e política; desenvolver uma geopolítica internacional que defenda uma visão pluripolar do mundo; preservar a vida no planeta e salvar a espécie humana.

Mas quem é, afinal, este militar, de 58 anos? "É um verdadeiro revolucionário ou um neopopulista pragmático?", perguntam Alberto Barrera Tyszka e Cristina Marcano, no livro Chávez sin uniforme.

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