Na sede do partido neonazi Aurora Dourada à procura de um entrevistado
A porta de entrada é estreita e pequena demais para os dez porteiros/seguranças que ali estão em amena cavaqueira. Vestem-se todos com t-shirts pretas justas da marca alemã Pitbull, para mostrar as horas investidas no ginásio. Falam em voz alta, a rir alto das piadas uns dos outros, enquanto dão palmadas nas costas e nos braços, todos tatuados, de quem estiver mais perto.
Quando o PÚBLICO se lhes dirige e pergunta, em inglês, se é possível falar com alguém do partido para agendar uma entrevista, os sorrisos transformam-se em sobrancelhas franzidas. “Eeeeh… espere aqui!”, diz um deles e entra no edifício.
Nos quinze minutos que passam até o porteiro voltar com novidades tentamos começar conversa com os porteiros que ficaram à entrada. Foi um esforço vão: poucos falam inglês e, os que falam, mostram-se pouco disponíveis para conversar com um jornalista estrangeiro.
Falar com o porta-voz do Aurora Dourada, Ilias Kasidiaris, estava fora de questão. Semanas atrás, este tinha agredido em directo uma deputada do partido comunista grego num debate televisivo e estava, paradoxalmente, a evitar fazer declarações públicas.
O porteiro volta e diz num inglês esforçado para esperarmos mais um pouco. Os minutos seguintes são passados a observar os graffiti de suásticas, do logótipo do Aurora Dourada e do slogan “Grécia para os gregos”, repetido intensivamente na longa parede que separa a rua da estação de comboios de Larissa.
De repente, ouve-se uma voz grave a cumprimentar os seguranças. O jornalista olha e vê que é Kasidiaris, o porta-voz da Aurora Dourada. Em vez dos habituais fato e gravata, agora que já é deputado no Parlamento grego, veste calças de ganga e uma t-shirt preta, da qual sobressaem os braços, onde tem tatuado o logótipo do partido neonazi num e a bandeira grega no outro. Sobe, com ar de quem tem pressa.
Comida e roupas quentes só para gregosO porteiro encarregue de falar com o PÚBLICO torna a descer e diz “Eeeeh… olhe, suba comigo”. Sobem-se ao todo três andares até ao piso cimeiro do edifício.
No primeiro andar, estão empilhados caixotes, cada um com algo escrito em grego. “O que é que guardam aqui?”, pergunta o jornalista. “Eeeeh… guardamos comida e roupa para dar a gregos”, responde, nunca abrindo mão do “eeeh…”, que os gregos usam para preencher os segundos em que ainda não sabem bem o que dizer.
São estes os caixotes que o Aurora Dourada leva em carrinhas para várias praças, comprometendo-se a dá-los a cidadão gregos. De bilhete de identidade em bilhete de identidade, a Aurora Dourada sobe de popularidade entre os gregos por causa destas acções. Numa sondagem recente, de 7 de Setembro, publicada no jornal grego To Pontiki, 10,5% dos inquiridos disseram que se voltasse a haver eleições, votariam no Aurora Dourada – o que significaria uma subida de votos, após o já impressionante resultado de 7% nas últimas eleições, em Junho.
No segundo andar, voltamos a ver, entre outras pessoas, o porta-voz do partido, Ilias Kasidiaris, a falar com Nicholaos Michaloliakos, o fundador e secretário-geral do Aurora Dourada.
Michaloliakos, 54 anos, fundou o partido em 1993, após ter pertencido a outros partidos da extrema-direita. Falar do Aurora Dourada sem falar do seu presidente é como falar da Alemanha nazi e não saber quem foi Hitler. Quando o PÚBLICO o vê, Michaloliakos está a um quarto de hora de começar o discurso ansiado pelas quase 200 pessoas que se encontram no terceiro andar à sua espera.
No último piso vemos, numa escala menor, aquela que é a verdadeira base eleitoral da Aurora Dourada. Vêem-se sobretudo idosos, a maior parte mulheres. Muitas destas sentem-se inseguras nos bairros onde vivem e sempre viveram.
O perigo, dizem, à semelhança do discurso da Aurora Dourada, vem sobretudo dos imigrantes, na sua maioria africanos ou árabes. Assim, pedem ajuda a grupos de militantes do Aurora Dourada, os mesmos que estão a guardar a porta do prédio, que se oferecem para ajudá-las a ir às compras e a levantarem dinheiro do multibanco de forma segura.
Estes “grupos de militantes” têm duas designações, dependendo da opinião de quem fala. Os eleitores e simpatizantes do Aurora Dourada chamam-lhes “vigilantes”. Aqueles que se opõem ao partido de Michaloliakos chamam-lhes “milícias”.
Imigrantes são atacados diariamenteHá relatos de estes grupos se juntarem durante a noite em várias praças de Atenas (com excepção de, entre outras, a praça Exarcheia, onde convivem sobretudo anarquistas e também redskins, isto é, skinheads comunistas) de onde partem geralmente de mota, aos pares. O condutor tem a tarefa única de conduzir até às zonas onde vivem sobretudo imigrantes, como Omonia, para depois o pendura, com um taco de baseball, atingir, de preferência na cabeça, os imigrantes por que passam. Também há relatos de ataques a imigrantes feitos em estações de comboio nos subúrbios de Atenas, de madrugada, quando estes se preparam para ir trabalhar no centro de Atenas.
Enquanto volta a esperar pelo porteiro que prometeu arranjar alguém do partido para agendar uma entrevista, o PÚBLICO vê também muitos homens de meia-idade, barba cerrada, pêlos do peito a fugir para fora da gola e roupas gastas, roupas de quem já não compra outras há muito tempo.
São a cara da classe baixa e média-baixa. Tempos houve em que pensavam que eram parte de uma classe média sólida e estável, que pela frente só tinham melhorias. Assim foi, também, com a Grécia geral, e com Atenas em particular, quando era uma das cidades mais in da Europa, aliando a História com a vida cosmopolita.
Aurora Dourada cresce com a frustação dos gregosApesar de estarem em maioria, não é só velhinhas e homens da classe baixa e média-baixa que o PÚBLICO vê entre aqueles que, daqui a pouco, se levantarão e aplaudirão o presidente do Aurora Dourada quando este entrar na sala. Vêem-se também crianças, adolescentes, mulheres cheias de jóias e outras, por volta dos 20 anos, que se vestem com calças de ganga justas, saltos altos, tops reduzidos com decotes generosos e unhas cor-de-rosa. Já ninguém olha para eles com suspeita e muito menos com surpresa.
Os tempos em que o Aurora Dourada era visto como um partido à margem da vida política, de radicais lunáticos, são parte do passado. Hoje o partido tem 18 deputados no Parlamento grego e, por isso, têm uma plataforma notável para espalhar a sua mensagem anti-imigração e nacionalista.
O porteiro, de botas da tropa calçadas, volta com cara de quem pede desculpa e diz: “hoje não vai dar para falar com ninguém, não está cá ninguém… se quiser falar com alguém, ligue depois de amanhã para estes números”, diz, pegando no caderno do jornalista para apontá-los.
“Agora vai ter de sair, não podemos ter jornalistas cá”, diz, a pouco tempo de o presidente do Aurora Dourada discursar. Encaminha o jornalista do PÚBLICO para a porta, e ri-se quando este lhe agradece e se despede em grego, tão bem quanto é possível a um jornalista estrangeiro na sede de um partido neonazi.
Dois dias depois, ligamos para os dois números e obtivemos o mesmo resultado: número não atribuído.