Lei do testamento vital terá impacto reduzido, prevê Ordem dos Médicos

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Fazer um testamento vital passa a poder ser feito a partir de hoje com suporte lega Fernando Veludo/NFactos (arquivo)

A lei prevê, entre outras coisas, que os doentes se recusem a ser alimentados e hidratados artificialmente, quando tal vise apenas "retardar o processo de morte natural", a rejeitar o suporte artificial das funções vitais e a ser submetidos a tratamentos que se encontrem em fase experimental. "Vai haver um refinamento do que já era feito" por alguns cidadãos, nomeadamente Testemunhas de Jeová, antecipa o presidente da Associação Portuguesa de Bioética (APB), Rui Nunes, que andou anos a fio a bater-se pela necessidade de consagração deste direito através de uma lei. "Além da questão simbólica, que é a mais importante, porque isto representa um avanço civilizacional, [a lei] permite consagrar formalmente este tipo de documentos e operacionalizar a sua aplicação", justifica.

Esta lei, contrapõe o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), José Manuel Silva, "é essencialmente um exercício intelectual que irá ter um impacto objectivo extremamente limitado". "Os doentes já podiam antes expressar a sua vontade, por escrito, ou através dos familiares", afirma o bastonário, frisando que a distanásia (prolongamento da vida de um doente incurável através de meios artificiais, inúteis e desproporcionados) "representa uma violação do código deontológico dos médicos".

"É melhor que haja um instrumento legal para dar cobertura a todos os que queiram fazer um testamento vital, quanto mais não seja para ficarem descansados. Claro que [o testamento vital] não vai resolver todas as situações. Mas penso que, até do ponto de vista dos médicos, representa um avanço", retorque o bastonário da Ordem dos Notários, João Maia Rodrigues, que já ajudou três ou quatro pessoas a fazer um documento deste tipo, desde 2006. Maia Rodrigues tem consciência de que apenas uma franja reduzida da população estará interessada em possuir um testamento vital, à semelhança do que acontece noutros países (Espanha, com o testamento vital consagrado na lei desde 2002, tinha em Maio deste ano menos de 130 mil documentos, ou seja, 0,2% da população).

Excepções à lei

A lei acaba por deixar alguma margem de manobra aos clínicos, contemplando várias excepções. Além de poderem não levar em conta as directivas antecipadas de vontade "em caso de urgência ou perigo imediato para a vida do doente", os médicos têm a possibilidade de alegar objecção de consciência, mas nem Rui Nunes nem José Manuel Silva prevêem que tal seja frequente, ao contrário do que acontece no caso da interrupção voluntária da gravidez. Uma tese de doutoramento feita no Brasil concluiu que cerca de 90% dos médicos daquele país são favoráveis à existência de testamentos vitais, exemplifica o presidente da APB, que lembra que este "não é um tema fracturante". "A objecção não será significativa", concorda José Manuel Silva.

Nos próximos meses, enquanto a lei não é regulamentada, quem quiser fazer um testamento vital vai ter de recorrer a um notário. A legislação prevê que os cidadãos possam assinar presencialmente o documento perante "um funcionário" do Registo Nacional do Testamento Vital, que ainda não existe. O Ministério da Saúde informa, a propósito, que será a Direcção-Geral da Saúde a criar este registo e não avança com datas para a sua entrada em funcionamento, lembrando que tem "180 dias" para o fazer. Até lá, formalizar um testamento vital num notário pode ficar por valores que oscilam entre um mínimo de seis euros (para o mero reconhecimento da assinatura) até um pouco mais de 100 euros, para o processo completo.Perguntas e respostas sobre a nova lei
Em que consiste o testamento vital?

É um documento em que são expressas directivas antecipadas de vontade, podendo os doentes, por exemplo, recusar ser submetidos a suporte artificial das funções vitais ou a tratamentos fúteis, inúteis ou desproporcionados e que apenas visem retardar o processo natural da morte. O testamento vital deve ser renovado de cinco em cinco anos e pode ser alterado a qualquer hora, bastando para tal uma mera declaração oral do titular.

Como se faz?

Pode ser formalizado pela própria pessoa, por um médico ou um jurista, mas sempre através de um documento escrito, assinado presencialmente no notário, nesta primeira fase, enquanto não for criado o Registo Nacional do Testamento Vital (o que acontecerá nos próximos seis meses, segundo o Ministério da Saúde). O documento deve ter a identificação completa, o lugar, a data e a hora da assinatura e as opções e instruções relativas aos cuidados de saúde que a pessoa deseja ou não receber.

O que é o procurador de cuidados de saúde?

É a pessoa nomeada para representar o doente quando este não conseguir expressar a sua vontade autonomamente, alguém da confiança do doente, que pode ou não ser seu familiar.

Quem pode fazer um testamento vital?

Qualquer pessoa maior de idade sem anomalia psíquica e que esteja capaz de dar o seu consentimento livre e esclarecido.

A família pode contrariar as vontades anteriormente expressas?

Não, excepto se o documento tiver caducado.

Os médicos podem não levar em conta o testamento vital?

Sim. A lei prevê algumas excepções, nomeadamente em caso de urgência ou perigo imediato para a vida do doente, quando se verifique desactualização da vontade expressa no documento face aos progressos dos meios terapêuticos verificados entretanto e se forem postas em causa as leis do país e as boas práticas médicas. A lei prevê também a objecção de consciência.

Quanto pode custar?

No futuro, quando existir o Registo Nacional do Testamento Vital, será grátis. No entretanto, e como é necessário recorrer a um notário, pode ficar por valores que oscilam entre os seis euros, para o mero reconhecimento da assinatura, e os 113 euros para o processo completo.

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