Estudo diz que refúgios selvagens são cruciais para sobrevivência do lobo-ibérico
No espaço de 100 anos, o lobo-ibérico (Canis lupus signatus) perdeu 80% do seu habitat original em Portugal. Esta regressão tem várias explicações. Entre elas estão a escassez de áreas de refúgio e a fragmentação do habitat, segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal.
Mas, mesmo numa paisagem cada vez mais humanizada, o lobo-ibérico consegue sobreviver, desde que as características do habitat lhe permitam refugiar-se do ser humano, concluiu uma equipa de cientistas espanhóis que palmilhou 30.000 quilómetros quadrados na Galiza.
A equipa coordenada por Luis Llaneza, da A.RE.NA. (Asesores en Recursos Naturales), analisou um total de 1594 excrementos de lobo que, posteriormente, foram comprovados através de análises moleculares de ADN, para localizar a distribuição dos animais no território.
No estudo, publicado nesta terça-feira, os investigadores revelam que “as características da paisagem – que facilitem que os animais possam passar despercebidos pelos humanos – (...) tornam-se mais importantes em paisagens dominadas pelo ser humano e podem ter um papel crucial na ocorrência e persistência desta espécie, ao longo de décadas”. Mais concretamente, os investigadores concluíram que, na Galiza, os factores que mais limitam a distribuição do lobo são os refúgios na paisagem (48%) - com zonas mais elevadas e vegetação significativa -, seguido da presença humana (35%) e da disponibilidade alimentar (17%).
Gonçalo Brotas, coordenador técnico da Associação de Conservação do Habitat do Lobo Ibérico, disse nesta sexta-feira ao PÚBLICO que as conclusões deste estudo podem aplicar-se a algumas zonas com lobos em Portugal. “Este estudo baseia-se num contexto em que existe um limite mínimo de alimento disponível, como é o caso da Galiza. Aqui, o refúgio é o factor mais importante. Em Portugal, o Alto Minho será a zona mais parecida, porque a disponibilidade de alimento é grande. O mesmo já não acontece a Sul do Douro, onde não há grandes presas”, acrescentou.
A associação, criada em 2006 e de âmbito nacional desde 2010, recupera habitats para o lobo-ibérico no Alto Minho e a Sul do Douro. “A diferença de habitats justifica diferenças na nossa intervenção. No Alto Minho tentamos criar zonas de refúgio, através da reflorestação, por exemplo. Já a Sul do Douro, a prioridade vai para o fomento de presas selvagens”, como o corço.
Para Gonçalo Brotas, o estudo agora publicado é importante porque “dá orientações em relação ao que se deve promover e ter mais atenção a determinados aspectos”.
Em Portugal, o lobo-ibérico é espécie estritamente protegida pela legislação nacional desde 1988. Hoje, estima-se que existam cerca de 300 lobos e 60 alcateias, especialmente a Norte do rio Douro. Na semana passada, um lobo-ibérico ferido numa armadilha ilegal na região de Montalegre foi restituído à natureza depois de ter estado dois meses e meio no Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes (UTAD) em recuperação. A pata direita traseira teve de ser amputada mas Pedro Silva, o veterinário responsável pela sua recuperação, disse nesta quarta-feira ao PÚBLICO que o animal “apresentava excelentes condições corporais”.
“Enquanto esteve no centro de recuperação, o lobo ganhou muita massa corporal e passava a noite a movimentar-se na câmara exterior onde foi colocado. Houve momentos em que saltou quase 3 metros de altura, num sinal de querer fugir”, acrescentou. “Acho que tem hipóteses de sobreviver. Até porque mais importante do que a parte física, é saber se consegue integrar-se na alcateia”, considerou.