Libanês que apoiou Dias Loureiro em negócios do BPN foi detido na Suíça

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Foto: João Cortesão/AFP

Um inquérito judicial a decorrer em França acaba de associar El-Assir, referenciado internacionalmente como "traficante de armas", ao caso Karachi. Este processo deve o nome a um atentado com vítimas mortais que está relacionado com a venda de submarinos e fragatas francesas ao Paquistão e à Arábia Saudita e suspeitas de financiamento ilícito da campanha presidencial de Edouard Balladour [texto em anexo].

Abdul Rahman El-Assir não é desconhecido dos portugueses. O libanês é uma figura omnipresente nas investigações ao "caso BPN". Entre 1999 e 2004, aparece em vários negócios ruinosos, tendo beneficiado de empréstimos "tóxicos" de mais de 50 milhões de euros concedidos pelo BPN, instituição que acabou, no final de 2008, por ser nacionalizada. Desde aí e até à privatização, este ano, o Estado injectou no banco, directamente ou via CGD, cerca de cinco mil milhões de euros, parte a fundo perdido.

Três donos num só dia

Foi Manuel Dias Loureiro quem levou El-Assir para a esfera do grupo presidido por Oliveira Costa. O ex-ministro de Cavaco Silva entre 1991 e 1995 e ex-conselheiro de Estado até 2010 era, à época, accionista da SLN (dona do BPN) e tinha funções em órgãos sociais. Quando entrou no capital da SLN/BPN (aí integrando a Plêiade), Loureiro colocou em cima da mesa um dossier sensível: a venda da concessionária marroquina Redal, onde era gestor, e a compra, em 2001, pela SLN de sociedades em Porto Rico: a NewTech-NewTechnologies e a Biometrics Ingeneering. Ainda que as operações não tenham coincidido no tempo, os investigadores suspeitam que estão relacionadas. Oliveira Costa, em prisão domiciliária e a ser julgado por burla agravada, fraude fiscal e branqueamento de capitais, contou que "Dias Loureiro fez pressões para que os negócios de Porto Rico se concretizassem", caso contrário "El-Assir deixaria de fazer lobying em Marrocos para que a Redal fosse vendida à Vivendi [francesa]".

Com efeito, a Biometrics, sem qualquer actividade, viria a "mudar de mãos" três vezes no mesmo dia. A SLN pagou pela empresa 30 milhões de euros, depois vendeu-a por um dólar a um fundo do BPN, o Excellence Assets Fund, transacção validada por escrito por Dias Loureiro . De seguida, a Biometrics e o fundo foram adquiridos por uma imobiliária espanhola de El-Assir, a La Granjilla (que é devedora do BPN). O esquema não passou despercebido ao Ministério Público, que tem feito diligências ao mais alto nível para apurar o rasto dos 30 milhões que "desapareceram" do circuito.

Em declarações ao PÚBLICO o deputado do BE, João Semedo, um dos intervenientes na primeira comissão de inquérito ao BPN, não tem dúvidas: "A minha convicção é que 26 milhões de euros de empréstimos concedidos pelo BPN ao sr. El-Assir foram luvas pagas pelo BPN/Plêiade pelos préstimos prestados em Marrocos na venda da Redal à Vivendi." Para João Semedo, El-Assir "moveu influências, desbloqueou a venda e arranjou comprador. Em contrapartida recebeu, pelo menos, estes 28 milhões disfarçados de empréstimo." Terminou: "Recordo que foi o dr. Dias Loureiro que introduziu El-Assir no grupo SLN/BPN."

As duas sociedades do libanês beneficiaram ainda de múltiplos empréstimos concedidos pelo grupo. Um deles, de 14 milhões de euros, sem garantias reais, foi contraído no BPN Cayman e a verba, no final, foi desembocar no Excellence Assets Fund. Já o BPN financiou três imobiliárias espanholas, La Granjilla e Miraflores e Gran Soto, com 38 milhões de euros (verba que ascendeu, com juros, a 48 milhões). Nenhum dos créditos foi pago.

O relacionamento de El-Assir com o BPN é uma linha central do inquérito em curso e justifica que o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). Dias Loureiro já foi constituído arguido com termo de identidade e residência, em processo autónomo. No outro megaprocesso ligado ao BPN, o Ministério Público constituiu mais 24 arguidos.

Contactado por telefone, pelo PÚBLICO, Pascal Maurer, advogado de El-Assir há mais de 15 anos, respondeu, cordialmente: "Pode enviar, mas não prometo que responda." As questões enviadas posteriormente para o seu email pessoal ficaram sem resposta.

Já Dias Loureiro, questionado pelo PÚBLICO, também por telefone, disse: "Não posso falar por estar sujeito ao segredo de justiça." O ex-ministro tem negado, por diversas vezes, ter cometido as alegadas ilicitudes de que está a ser investigado e garante mesmo que foi confrontado pelo DCIAP com documentos novos e que lhe são desconhecidos. O seu advogado, Daniel Proença de Carvalho, nunca respondeu aos contactos feitos.

O jornal Sol revelou que, nas buscas a casa de Dias Loureiro, o Ministério Público encontrou uma porta com acesso apenas através de uma casa de banho - que o ex-ministro alega tratar-se de "uma parte esconsa do escritório" - onde estavam documentos referentes aos negócios de Porto Rico e Marrocos considerados "relevantes para comprovar os crimes" pelos quais foi constituído arguido. O semanário menciona a apreensão de um livro com a sua actividade empresarial, "o qual o próprio Dias Loureiro dizia não saber onde se encontrava."

Amizade luso-libanesa

Ao contrário do que acontecera em 2005, Dias Loureiro afasta-se, agora, de El-Assir: "Não o vejo há anos, não tenho qualquer contacto com ele. Os contactos entre nós decorreram em 2000, 2001 e 2003 a propósito dos negócios de Porto Rico". Uma versão que contraria o que foi dito ao PÚBLICO, há sete anos, quer pelo libanês, quer pelo social-democrata [16/2/2005]. Loureiro alegou, então, ter "uma boa relação" com El-Assir "desde 2001", ano em que este o "ajudou a resolver um negócio em Marrocos". Foram apresentados, explicou, por "um cunhado dele [El-Assir], meu amigo e casado com a irmã da actual mulher" e desde 2001 têm "uma relação social", mas não profissional. E sobre as suspeitas que já, na altura, existiam sobre a actividade do amigo, disse: "Não tenho quaisquer razões para pensar mal dele. O seu círculo de amigos é gente respeitável, ele sempre me tratou bem, com amizade e respeito". "Ainda recentemente, ajudou um meu amigo a entrar em contacto com um médico em Inglaterra." E evocou que a última vez que os dois tinham falado "foi na passagem do ano" de 2004 para 2005. Em 2005, o próprio El-Assir confirmou ao PÚBLICO o bom entendimento com o social-democrata, "um grande e bom amigo", mas não parceiro de negócios.

Nos últimos meses, o DCIAP dirigiu às autoridades espanholas, que investigam El-Assir, cartas rogatórias a pedir vários elementos relacionados com o BPN, envolvendo quer contas bancárias do intermediário libanês, quer a natureza de entrada e saídas de verbas/comissões. Até Maio, as diligências não tiveram consequências. Espanha emitiu há dois anos um mandado internacional de prisão sobre o libanês por crimes fiscais, acusação que Pascal Meurer já contestou. Foi o juiz Baltazar Garzón que iniciou as investigações a El-Assir, mas acabou, entretanto, por ser afastado por autorizar indevidamente escutas a altos dirigentes do Partido Popular espanhol envolvidos no "caso Gürtel" (branqueamento de capitais).

O nome de El-Assir esteve em cima da mesa dos parlamentares portugueses logo na primeira Comissão de Inquérito ao BPN, tendo sido um dos mais abordados, em particular durante as audiências de Loureiro e Oliveira Costa. "Falámos na possibilidade de o chamar, nomeadamente o Bloco de Esquerda, o PCP e, admito, o CDS-PP, mas, na altura, os vários depoimentos recolhidos tornaram muito claro qual foi o papel de El-Assir: como se aproximou do BPN e que serviços prestou ao grupo. Ou seja, como levou o Governo marroquino a autorizar a venda da Redal à Vivendi", explicou João Semedo. E sublinha que os trabalhos da comissão "se aproximavam do fim e que por se tratar de um cidadão estrangeiro, e cuja residência era desconhecida, houve menos interesse". Mas El-Assir não tem estado escondido. Em 2004 mudou-se de armas e bagagens para Gstaad (Suíça).

Francisco Bandeira, presidente do BPN após a nacionalização, respondeu: "Investigou-se o que havia para investigar e enviaram-se os dados para o Ministério Público, que estará a fazer o seu trabalho." O PÚBLICO tentou em vão falar com o procurador responsável pelo processo.

O intermediário que foi diplomata

Abdul Rahman el-Assir nasceu a 26 de Abril de 1950, em Beirute. Tinha pouco mais de 20 anos quando exerceu funções de diplomata (adido cultural no Cairo), onde conheceu Samira Khashoggi, irmã do negociante de armas saudita Adman Khashoggi, e mãe de Dodi (namorado da princesa Diana), filho do magnata egípcio Mohamed al-Fayed. Aos 26 anos casou-se com Samira, passando a intermediar grandes negócios de armamento. Nove anos depois, casou-se com Maria Fernandez Longoria, filha de um ex-embaixador de Espanha no Cairo, e adquiriu nacionalidade espanhola.

O seu círculo de amigos é, por isso, poderoso. Um grupo onde figuram o rei Juan Carlos, parceiro de caçadas, e os ex-primeiros-ministros José Maria Aznar e Filipe Gonzalez. O libanês esteve no casamento de Alejandro Agag, genro de Aznar, e um ex-colaborador avençado do BPN. Em 2005, Dias Loureiro contou ao PÚBLICO que foi por intermédio de El-Assir que conheceu o ex-presidente dos EUA Bill Clinton, e o ex-presidente do Partido Democrata Terry Macauliffe. O social-democrata explicou que El-Assir "é amigo do rei de Espanha e do neto de Franco, com quem tenho estado". Uma amizade que levou o social-democrata a convidar El-Assir para "os casamentos das duas filhas". O nome de El-Assir tem surgido no coração de vários escândalos internacionais. O libanês é mencionado numa investigação liderada pelo ex-candidato presidencial John Kerry, então senador dos EUA, ao Banco de Crédito e Comércio Internacional (BCCI), com sede no Panamá, suspeito de ligações ao narcotráfico.

Libanês na investigação que atinge Nicolas Sarkozy

Abdul Rahman El-Assir esteve no coração de duas operações realizadas, nos anos 1990, a mando de Paris, ao intermediar a venda de submarinos ao Paquistão (Agosta) e de fragatas à Arábia Saudita (Sawari II), negócio de biliões de euros. O libanês surge também associado ao Affaire Karachi, pela voz de Ziad Takieddine, negociante de armamento. Tak, como é conhecido em França, que se movimentava nas elites políticas e empresariais, tornou-se um personagem não frequentável.

Em Outubro de 2011, El Assir foi colocado na lista dos suspeitos, com Paris a emitir um mandato de busca internacional. Oito meses depois, a 30 de Maio, ao início da manhã, quando pernoitava no hotel Beau-Rivage, em Genebra, foi interceptado pelo gabinete do procurador suíço, Jean-Bernard Schmid, acompanhado de polícias franceses e suíços. O advogado Pascal Meurer interveio, por telefone, classificando as buscas de "vexatórias", por ocorrerem 18 anos depois dos factos.

El-Assir prestou declarações nesse dia e a 11 de Junho. Van Ruymbeke, o juiz de instrução francês responsável pelo dossier, quer saber se os contratos Agosta e Sawari II deram origem, ou não, ao pagamento de retrocomissões a políticos franceses. Pascal Meurer já admitiu que o seu cliente distribuiu comissões por quem "tinha de distribuir", mas que nada sabe do "pagamento de retrocomissões a políticos franceses".

A história remonta a 1994. Mas as investigações só foram espoletadas oito anos depois, com o atentado suicida de Karachi, que vitimou 14 funcionários do Estado francês, que supervisionavam a construção dos submarinos vendidos a Islamabad. Na altura, as baterias voltaram-se para a Al-Qaeda. Em 2007, a versão inicial foi revista e deu lugar ao cenário da vingança, com duas teses: Takieddine contou que os paquistaneses a quem El-Assir não pagou as comissões devidas retaliaram; para o Libération, o atentado tem origem nos serviços secretos paquistaneses pelo facto de Paris ter vendido à Índia, em segredo, submarinos idênticos aos negociados com Islamabad.

Em 1994, o ministro da Defesa de Edouard Balladur, François Léotard, impôs El Assir e Takieddine (que mediou a aproximação diplomática da França com a Líbia e nunca escondeu as boas ligações a Kadafi) como intermediários das negociações com Islamabad e Riade. Um negócio estimado em 5,2 mil milhões de francos. Há notícias de que El Assir cobrou 54 milhões de euros que repartiu "com o seu braço-direito", Tak; outras falam em 220 milhões.

Eleito presidente em 1995, Jacques Chirac descobriu que tinha sido montado pela equipa de Balladur um esquema de "retrocomissões" nos grandes negócios do Estado, através de intermediários e sociedades no Luxemburgo, o que o levou a suspender os contratos com o Paquistão e a Arábia Saudita. Charles Millon, ex-ministro de Chirac, confirmou a tese e mencionou pagamentos ilícitos a políticos próximos de Sarkozy (Claude Guéant, que foi seu ministro do Interior e do executivo de Balladour, e Thierry Gaubert).

Os familiares das vítimas de Karachi têm-se mobilizado para levar Balladur e Sarkozy a prestar declarações em tribunal na qualidade de testemunhas. Sem imunidade, Sarkozy foi alvo de buscas em casa e no escritório, desta vez por suspeita de financiamentos à sua campanha de 2008, por Liliane Bettencourt, dona da L"Óreal.

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