Investigação no Brasil aponta Duarte Lima como único suspeito na morte de Rosalina

Domingos Duarte Lima, advogado e ex-deputado do PSD, é o único suspeito no assassinato de Rosalina Ribeiro, segundo a investigação da polícia brasileira, agora concluída, a que o PÚBLICO teve acesso. E o relatório enumera provas contra ele, aquilo a que em linguagem jurídica se chama "indícios veementes de autoria". Todos os demais suspeitos foram descartados por falta de provas, de acordo com uma fonte policial que não pode ser identificada por o caso estar em sigilo.

Elaborado por uma dupla de inspectores da Polícia Civil, o documento, com mais de mil páginas, está agora nas mãos do chefe da Divisão de Homicídios do Rio de Janeiro, Felipe Ettore. É o resultado de quase dois anos de inquérito, desde Dezembro de 2009, quando Rosalina foi morta num lugar ermo, a uma hora do Rio de Janeiro. Nas próximas semanas, Ettore terá de decidir se indicia Duarte Lima no relatório a enviar ao Ministério Público brasileiro, que, por sua vez, optará por abrir ou não um processo.

Mais de 100 milhões

Na origem do crime estão os milhões deixados por Lúcio Tomé Feteira, um industrial português de Vieira de Leiria que depois do 25 de Abril se refugiou no Brasil. Rosalina Ribeiro foi sua secretária e namorada, mas nunca oficialmente mulher, porque ele era casado.

Feteira morreu em 2000. A partir daí foram anos de disputa pela herança, espalhada por contas em Portugal, no Brasil, na Suíça, nos Estados Unidos e em Inglaterra, além dos imóveis. Não se sabe exactamente quantos milhões, porque ainda não houve acesso às contas americanas e inglesas, mas "só no Brasil são mais de 100 milhões de reais [40 milhões de euros]", de acordo com a fonte do PÚBLICO. Quando se conseguiu quebrar o sigilo bancário na Suíça, soube-se que Rosalina Ribeiro transferira 5,8 milhões de euros para uma conta em nome de Duarte Lima, alegadamente seu advogado.

Mas, no início da investigação, o ex-deputado do PSD nem era suspeito. O foco estava em Olímpia Feteira, filha do milionário, por ela travar um braço-de-ferro com Rosalina em torno da herança, conforme descreve a mesma fonte: "Ela estava numa briga de foice, uma briga grande com a Rosalina, mas [durante a investigação] não surgiu nada que indique que tenha participado [no crime]. Não há nenhum indício da culpabilidade de Olímpia. Tudo foi profundamente investigado."

O inquérito voltou-se então para Duarte Lima, última pessoa a vê-la viva. "Não por suspeição inicial em relação a ele, mas na tentativa de reconstruir os últimos passos dela." E foi durante essa tentativa que vieram ao de cima "as incongruências dele", "mentiras" que acabaram por transformá-lo no único suspeito.

As "mentiras"

Rosalina foi morta a tiro num lugar "onde ninguém tem nada a fazer, só existem bois, plantação de feijão e uma estrada". O nome da freguesia é Sampaio Corrêa, município de Saquarema a 90 quilómetros do Rio, com o qual nenhum dos envolvidos no caso tinha qualquer relação. Mas a meio caminho entre o Rio e o local do crime está Maricá, município onde Feteira tinha uma fazenda, em parte incluída na herança que coube a Rosalina.

O que Duarte Lima disse à polícia brasileira é que na noite do crime, 7 de Dezembro de 2009, levou Rosalina de carro desde o Rio até Maricá porque ela se queria encontrar com uma tal Gisele que estaria interessada em comprar parte da fazenda. Que estava Lima a fazer no Rio? Segundo declarações do próprio, Rosalina telefonara-lhe a pedir que se encontrassem junto ao seu apartamento na Praia do Flamengo, ele apanhou-a de carro numa esquina e foram para uma lanchonete, de onde partiram para Maricá.

O inquérito levanta vários problemas a esta versão. Primeiro, nas vésperas do crime, Lima atravessou duas vezes o Atlântico. Em fins de Novembro, voou de Lisboa para Belo Horizonte, passou uma semana em Minas Gerais e aterrou em Lisboa no dia 1 de Dezembro. No dia 4, voou de novo para Belo Horizonte, onde chegou dia 5. Alugou um carro e no dia 6 veio para o Rio de Janeiro. Há registo da sua entrada no hotel carioca na noite de dia 6.

De acordo com o testemunho de Lima, Rosalina soubera que ele estava em Belo Horizonte a visitar clientes e telefonara-lhe a pedir que fosse ao Rio. Mas ela tinha viagem marcada para Lisboa no dia 12. É uma das "incongruências" apontadas pela investigação: Duarte Lima ter feito duas viagens para o Brasil com um intervalo de 72 horas e depois uma viagem de carro para se encontrar brevemente com uma pessoa que poderia ver em Lisboa dentro de dias. "A movimentação mostra que ele não estava com clientes em Belo Horizonte. Ele chega lá dia 5 e dia 6 vai para o Rio. Veio a Belo Horizonte especificamente para vir ao Rio ter com Rosalina."

Seguem-se as "mentiras". A polícia não encontrou quaisquer registos de que Rosalina tenha ligado a Lima, mas encontrou registos de um telemóvel português que ligou para Rosalina. Ou seja, a investigação aponta para que tenha sido Lima a propor o encontro com Rosalina, e não o contrário. "Isto é um indício de que ele está mentindo", resume a fonte do PÚBLICO.

A esse somam-se os seguintes: Lima disse à polícia que não se lembrava que carro alugara e que pagara com dinheiro. "Outra mentira", para impedir a polícia de localizar o carro. Mas, ao fim de meses, o carro foi mesmo descoberto, com a assinatura de Lima no registo, e havia registos de radar provando a presença desse carro muito perto do local do crime na tarde anterior ao crime. "Que é que ele foi fazer lá?", pergunta a mesma fonte. "É uma estrada e mato. Não tem nem um restaurante. Isso é um indício veemente. Ele nunca vai poder justificar o facto de ter estado lá 30 horas antes do crime." Há ainda registos do carro a passar "várias vezes em frente à casa de Rosalina" durante o dia 7.

O inquérito também considera incongruente que Rosalina, mulher idosa e "medrosa", saísse a pé à noite no Rio para caminhar uns quarteirões sozinha até Duarte Lima a apanhar numa esquina, ou quisesse ir ter com uma desconhecida na fazenda de Maricá. De resto, não foram encontrados vestígios dessa tal Gisele, e Rosalina tomava nota de todos os nomes e contactos nas suas agendas.

Antes de sair de casa na noite de dia 7, o que ela disse ao telefone a amigas foi que se ia encontrar com alguém enviado por Duarte Lima no restaurante de luxo Alcaparra, perto da sua casa. O que não bate certo com a lanchonete de que Lima fala. Ainda um elemento: quando o carro alugado por Lima foi entregue, "faltava o tapete do lado direito". A polícia sabe disso porque há registos de que "a empresa cobrou o tapete" ao ex-deputado.

Rosalina foi morta com um revólver 38. A polícia admite que Lima possa ter agido com ajuda de alguém, mas considera ter indícios de que ele estava presente durante o crime.

Antes da morte

Os investigadores não encontraram qualquer procuração de Rosalina para Duarte Lima como advogado, nem qualquer processo em Lisboa em que ele actue como advogado dela. Ou seja, oficialmente, diz a fonte do PÚBLICO, "ele não era sequer advogado dela, isso é uma enganação dele, era um orientador, um consultor, por sugestão do Feteira". O milionário terá dito a Rosalina para, depois da sua morte, procurar Lima. Rosalina fez isso mesmo e, nos anos seguintes, manteve-se o contacto.

O que aconteceu antes do crime, de acordo com a mesma fonte, é que Duarte Lima "estava exigindo a Rosalina um documento declarando que ele não recebera o dinheiro [da conta na Suíça] ou que era de honorários e ela se recusava a dizer isso". E depois do crime ele "terá querido incriminar Olímpia e o cara que explora a fazenda, de nome Arlindo".

Mas enquanto Olímpia se prestou de imediato a vir ao Brasil ser interrogada pela polícia, Duarte Lima respondeu apenas a perguntas ao telefone numa fase muito inicial e depois recusou-se a viajar, declarando que só responderia por carta rogatória, o que acabou por nunca acontecer.

Súmula das perguntas em aberto no inquérito: "Onde é que Duarte Lima se encontrou com Rosalina na noite do crime? O que foi discutir com ela? Por que é que alguém ligou de um telemóvel português para ela, quando ele diz que ela ligou a ele? O que é que ele foi fazer no local do crime 30 horas antes? Porque não esperou Rosalina em Portugal no dia 12, e em vez disso viajou sobre o Atlântico duas vezes com um intervalo de 72 horas? E porque não veio se explicar como fizeram Olímpia e todas as outras pessoas?"

Sugerir correcção
Comentar