Edgar Pêra, realizador de cinema, 49 anos

Foto
Edgar Pêra Enric Vives-Rubio

Não sonho ser eternamente jovem. A juventude é hoje muito valorizada, mas também acontece o contrário. A juventude é carne para canhão, consideram-na mais estúpida do que de facto é. No cinema, por exemplo, os filmes mainstream são feitos para uma idade mental muito reduzida. Há uma desvalorização das capacidades intelectuais e de cidadania dos jovens. Em contrapartida, em termos estéticos, essa valorização é evidente. Existe o ideal de não envelhecer, o que, bem vistas as coisas, é um direito: as pessoas têm direito a preservar o corpo.

Uma das coisas que noto, agora que tenho 49 anos, é a falta paciência e disponibilidade para a mesma socialização que fazia há uns 15 anos. Já conheci pessoas de 60 anos que estão em momentos intensos de socialização, porque entraram em ruptura com o passado. Eu não. Neste momento estou mais concentrado na minha relação, na família e no trabalho. Estou numa fase particularmente boa.

Como pessoa, não mudei agora. Há uma continuidade, chegar aqui demorou o seu tempo. Nos anos 90, foi muito importante ter entrado em contacto com autores californiamos como Robert Anton Wilson e Terence McKenna, que punham a ênfase nas pessoas. Aprendi com eles uma coisa que pode parecer de quarta classe: a necessidade de pôr todas as ideologias na primeira pessoa e perceber que a realidade depende do túnel de realidade de cada um. Em vez de se dizer ‘isto é assim’, pode dizer-se ‘eu acho que isto é assim’. Evitar qualquer tipo de cartilha, não me prender a ideologias, utilizá-las de forma funcional, como ferramenta de análise — é isso que procuro hoje.

O que fiz nos meus filmes nos anos 90 foi pôr ideias em choque. A realidade é composta por milhões de hipóteses e o que eu fazia era seleccionar várias e pô-las em paralelo. O que quero agora é mostrar um princípio, um meio e um fim. Aproximo-me mais de uma narrativa linear do que do mosaico de pontos de vista. Não é alternativo o cinema que faço. Nem contra-cultural. É plástico, aproxima-se mais das artes plásticas do que das artes narrativas. Agora estou assim: focado no trabalho e na vida pessoal. Decidi tirar a carta de condução e fazer um doutoramento: A Revolução do Espanto no Cinema. Não me sinto velho. Sinto-me com menos peso de certas grelhas de entendimento e menos espartilhado.

Curiosamente, o meu novo filme é um pouco sobre a crise da meia-idade. O Barão, com base num conto de Branquinho da Fonseca adaptado por Luísa Costa Gomes. Foi rodado em Novembro do ano passado. Tudo em estúdio. Há uma artificialidade que acho que dá credibilidade ao filme. O barão é uma pessoa da minha idade, um marialva decadente, senhor da terra, habituado a dispor de todas as pessoas à sua volta e a fazer o que lhe apetece. O que o simboliza é uma poltrona. Potencialmente, há um barão em todas as casas, geralmente à custa das mulheres, que acaba por ser uma pessoa frágil e mesquinha. No fundo, a idade é irrelevante aqui, mas por outro lado não é. É na meia-idade que há uma série de experiências relacionais acumuladas. Se não foram satisfatórias, levam ao vazio da meia-idade. O estilo de vida de muitos barões conduz ao vazio.

Durante a minha juventude, houve um processo de humanização nas relações entre homens e mulheres. Foi como o fim da escravatura. Quanto mais novas são as pessoas, menos têm o estigma de querer ser marialva. Há agora uma potencialidade de paridade muito maior. Claro que é mais difícil lidar com a igualdade. Dá mais trabalho, mas é ridículo pensar que a situação anterior era a situação ideal. Isso é uma vigarice. Dá mais trabalho, mas é mais gratificante.

Se uma pessoa tiver uma relação sólida, está muito menos vulnerável. Mas se não tiver, ainda tem uns dez anos para excessos. Hoje cometo menos excessos. A idade acalma-nos. Ter uma relação estável e assentar é uma opção, uma conquista, uma batalha. Há pessoas que chegam aos vinte e poucos e assentam. Acho que se eu não vivesse satisfeito com a relação que tenho, podia olhar com a mesma pica para todas as mulheres. E não olho. Não por causa da idade, mas porque estou bem.

Evidentemente, há uma série de cantos da sereia, armadilhas, nas quais eu já não iria cair. Já não tenho o fascínio pela juventude. Há quem sinta que a está a perder e quer de alguma forma relacionar-se com ela. Não só em termos sexuais. Mesmo em termos profissionais. Houve um tempo em que me sentia melhor a trabalhar com pessoas mais novas, porque achava que o segredo era a renovação constante. Hoje não sinto essa necessidade. Os que estão a chegar nem sempre são os que estão a ver melhor, com mais frescura e menos preconceitos.

Depoimento recolhido por Bruno Horta
Sugerir correcção
Comentar