Joan Baez – Graças à vida e a soprar no vento

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Aquela que foi uma das mais belas e arrebatadoras vozes da música popular norte-americana mantém ainda a chama Rui Gaudêncio

Não há vozes “forever young” e a de Joan Baez não é excepção. Mas aquela que foi uma das mais belas e arrebatadoras vozes da música popular norte-americana mantém ainda a chama do que nela sempre foi primordial: a intenção e a palavra. Quando Portugal a viu cantar ao vivo pela primeira vez, a 2 de Agosto de 1980, no antigo (hoje demolido) Pavilhão do Dramático de Cascais, Baez tinha 39 anos e trazia na voz e no reportório a força das grandes gravações que fizera para a Vanguard na década de 70. Agora, trinta anos passados, com 69 anos feitos a 9 de Janeiro, a sua voz de soprano mostra-se mais seca, embora não menos expressiva, e os característicos vibratos e falsetos que a tornaram única atenuam-se em exposições mais sóbrias e contidas.

Mesmo assim, Baez consegue cativar largas audiências e esse seu mérito foi premiado em Portugal com duas salas esgotadas, primeiro a Casa da Música, no Porto (dia 8), depois o Coliseu de Lisboa, a 10 de Março. Sempre de guitarra a tiracolo, que ia trocando consoante as canções, com um grupo totalmente acústico a acompanhá-la numa sonoridade que oscilou entre a folk e, a espaços, a country e o bluegrass, Baez abriu a noite com uma canção tradicional centenária que tanto ela como Dylan haviam gravado nos anos 70, “Lily of the west”. Não foi um arranque triunfal, mas Baez quis, nos minutos seguintes, mostrar duas canções de “Day After Tomorrow”, o disco que gravou em finais de 2008 com produção de Steve Earle e que, por mérito próprio, fez a crítica voltar a prestar-lhe atenção: a poderosa “God is God” (de Earle, precisamente) e “Scarlet tide”, de Elvis Costello e T Bone Burnett. Depois recuou cinco décadas para lembrar outro tema tradicional, “Silver dagger”, que serviu de intróito a um dos grandes momentos da noite: “Love song to a stranger”, bela canção que ela escreveu num hotel, durante uma digressão, num momento em que se sentiu mais sozinha. E como se isso fosse a saída que já imaginara, cantou depois várias mulheres: “Farewell Angelina” (de Dylan), “La llorona” e, numa atrapalhação de géneros, a “Mulher rendeira” do Brasil, que ela apresentou, identificando-se com a figura, como uma “cowgirl bandita”.

Passado Lampião, Dylan: “Love is just a four-letter word”. E outros ares visionários: “Gospel ship”, embalado num conveniente bluegrass; “Joe Hill”, o herói operário para lá das esquerdas e das direitas; ou a eterna “Suzanne” do não menos eterno Cohen. “Grândola Vila Morena”, que Baez já cantara no Porto, abriu os pulmões à sala. Trocou estrofes, esqueceu a azinheira, mas nada disso importou. Era José Afonso na voz de Baez e isso foi, mais do que uma “graça” portuguesa, um merecido reconhecimento. Que melhor, logo a seguir, que “Forever young”? Dylan, sim, e do mais recomendável. “Donna, donna”, que não encarrilou, foi felizmente deixada a meio e trocada (novo momento alto da noite) por “Sweet low, sweet chariot”, magnífica, “a capella”.

“Diamonds & rust”, ainda em alta, foi pretexto para Baez apresentar os músicos: John Doyle (guitarras, vocais), Dirk Powell (violino, mandolim, teclas), Todd Phillips (baixo acústico) e Gabriel Harris (filho de Joan Baez, nas percussões). “Don’t think twice it’s all right” levou-a (o impulso deve ser irresistível) a imitar Dylan já no fim da canção, terminando o espectáculo com a bem mais recente “Jerusalem”, de Steve Earle. Antes de sair do palco, Baez elogiou o público e o elogio pareceu sincero e espontâneo: “É uma alegria cantar para vocês, vocês são esplêndidos!” Quando voltou, já o coliseu tremia sob uma trovoada de aplausos e pés a bater no chão, foi para abraçar dois temas emblemáticos: “Blowin’ in the wind”, Dylan de novo, agora com o refrão entoado em coro pela assistência, e “Gracias a la vida”, de Violeta Parra, que Baez internacionalizou no álbum homónimo. E assim chegou e se foi Baez: graças à vida e a soprar no vento.

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