Membros da UE estão a mascarar ajuda pública ao desenvolvimento

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Esta situação é contestada pela Concord, confederação de organizações não governamentais (ONG), que afirma que, dos 40,5 mil milhões de euros que os países europeus gastaram com a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), um terço não se traduziu em recursos que os beneficiários possam usar no combate à pobreza.

Portanto, alerta a Concord, que agrega 1600 ONG para o desenvolvimento europeias, todos os Estados-membros da União Europeia (UE), uns mais, outros menos, estão a mascarar o volume das suas contribuições para a ajuda ao desenvolvimento. "Vários países europeus vão quebrar as suas promessas de ajuda aos países pobres até 2010, a não ser que aumentem radicalmente o montante de genuínos recursos de apoio ao desenvolvimento", estimam as ONG europeias, num relatório hoje divulgado e a que o PÚBLICO teve acesso prévio, com o título: "Suspendam o aplauso! Os governos europeus arriscam-se a não cumprir as promessas de ajuda".

Se a tendência actual não for invertida, os países subdesenvolvidos "vão receber menos 50 mil milhões de euros da Europa, até 2010, do que os prometidos", avalia a plataforma. Em particular, a ajuda ao continente africano tem-se mantido "estática desde 2004", realça. "A redução da pobreza não parece ser sempre o principal objectivo da ajuda europeia. A segurança, as alianças geopolíticas e os interesses domésticos frequentemente prevalecem", analisa.

Dívida, alunos e refugiados

"Muitos governos europeus estão a inflacionar as estatísticas da ajuda com perdões da dívida", concretizam as ONG. O cancelamento de dívidas representou, em 2006, 10,5 mil milhões de euros, que foram, na opinião da plataforma, erradamente incluídos no montante da APD. Destacam-se os volumes dos perdões de dívida ao Iraque e à Nigéria: oito mil milhões de euros no seu conjunto.

"As ONG para o desenvolvimento europeias apoiam o perdão da dívida, como uma questão de justiça e, em certos casos, como uma forma de fornecer recursos adicionais para o desenvolvimento. Mas opõem-se firmemente a que as operações de cancelamento da dívida sejam contabilizadas como ajuda. As pessoas desfavorecidas precisam de ajuda ao desenvolvimento e de perdão da dívida", vinca a plataforma.

Mil milhões de euros destinados aos refugiados e 1,7 mil milhões de euros gastos na educação foram também incluídos na ajuda ao desenvolvimento de 2006.

A Concord discorda ainda de que um quinto da ajuda consista em "assistência técnica, muita da qual não é eficaz para a construção de capacidades nos países pobres". E defende uma calendarização dos apoios, porque "os fluxos de ajuda imprevistos prejudicam seriamente" o planeamento dos beneficiários.

A Concord faz uma avaliação Estado a Estado, mas também analisa a prestação da Comissão Europeia, que, em 2005, devotou "apenas" 43 por cento do seu orçamento de APD aos países menos desenvolvidos. Para além disso, sublinha, "menos de oito por cento" foi gasto em serviços básicos de saúde e de educação, montante que defende que devia subir para "pelo menos 20 por cento".

A plataforma considera ainda que a escolha dos países beneficiários está a resultar de "negociações políticas prolongadas em que cada Estado-membro garante os seus próprios interesses". E aponta que "a transversalidade do género ainda não é uma prioridade na cooperação para o desenvolvimento da UE".

Portugal não atingiu meta individual e inflacionou ajuda

Portugal faz parte do grupo de Estados-membros que não cumpriram a contribuição mínima individual traçada para 2006, juntamente com Grécia e Itália.

Porém, realça a Concord, se se excluísse os fundos "ilegitimamente" contabilizados como Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), também França, Áustria e Alemanha falhariam as suas promessas iniciais. Ao contrário, Suécia, Dinamarca, Holanda e Luxemburgo são elogiados pelo “elevado montante global da ajuda”.

A meta portuguesa para a APD era de 0,33 por cento do Rendimento Nacional Bruto, mas ficou-se pelos 0,21 por cento: 312 milhões de euros. Mas, destes, 16 milhões representam "ajuda inflacionada", avalia a Concord.

A plataforma de ONG critica a cooperação portuguesa por apostar essencialmente em "ajudas bilaterais" direccionadas para os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), alinhando-as pela "política externa e interesses comerciais".

Ao PÚBLICO, o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, João Gomes Cravinho, refutou a crítica, que "não faz sentido num contexto em que cada vez mais se pede aos países doadores para se especializarem nas áreas geográficas em que têm mais valor acrescentado". "A aposta nos PALOP é boa e vai continuar", contrapôs, realçando que a política de cooperação "não é um instrumento de curto prazo, táctico, mas que privilegia os países com os quais Portugal tem relações de intimidade".

Também a aposta portuguesa foi objecto de reparos, nomeadamente por alegadamente não ter como prioridade as infra-estruturas e serviços básicos sociais. Acusando a plataforma de fazer uma "análise preguiçosa", "baseada em dados de há ano e meio", o secretário de Estado destaca que o novo plano estratégico alterou as prioridades e Portugal está a dar "maior ênfase" aos serviços de saúde básicos e a apostar "mais na escolaridade primária e na alfabetização e menos nas universidades".

A centralização da política de cooperação no Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD) é elogiada no relatório, que, no entanto, indica que "o sistema [em funcionamento] não favorece compromissos a longo prazo" e não faz uma efectiva avaliação dos resultados. Ao PÚBLICO, Fátima Proença, da plataforma portuguesa de ONG para o desenvolvimento, consultada para o relatório, concretiza: "A instabilidade de direcção permanente e a constante reestruturação têm sido um drama recorrente da cooperação portuguesa e têm fragilizado o IPAD, que, em dois anos, teve três presidentes". "As instituições e as políticas são mais do que as pessoas. E tem havido continuidade nas instruções", contesta Gomes Cravinho.

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