Turquia ordena prisão de 47 ex-jornalistas de diário próximo de Gülen

O jornal Zaman foi tomado à força em Março e colocado sob tutela do Estado. Só em três dias, mais de 80 jornalistas e colunistas foram visados por mandados de captura.

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A jornalista e comentadora televisiva Nazli Ilicak foi detida na segunda-feira Kenan Gurbuz/Reuters

A Justiça turca emitiu mandados de captura contra 47 antigos jornalistas e colunistas do diário Zaman, que em Março foi posto sob a alçada do Governo, no mais recente episódio da “grande limpeza” posta em marcha por Ancara após o golpe falhado de 15 de Julho.

A ordem, que visa antigos “dirigentes e funcionários, incluindo editorialistas” do jornal, foi conhecida dois dias depois de um outro mandado de captura que visava 42 jornalistas, incluindo vários rostos conhecidos do grande público, como a famosa comentadora televisiva e antiga deputada Nazli Ilicak. Destes, 16 já foram detidos.

Os motivos invocados são os mesmos que levaram à detenção de mais de 13 mil pessoas, sobretudo militares, juízes, procuradores e polícias: ligações ao movimento de Fethullah Gülen, o imã que o Governo do AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento, no poder desde 2002) acusa de estar por trás do golpe militar.

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Não é claro quantos dos visados pelo mandado foram já detidos, mas a estação CNN Turquia filmou o jornalista Sahin Alpay a ser levado da sua casa pela polícia, adiantando que as autoridades chegaram ao local às 6h (4h em Portugal continental) e revistaram a residência durante duas horas e meia. “Não cometi nenhum crime, não sei por que estou a ser detido”, afirmou Alpay, que durante anos assinou uma coluna no diário e foi dirigente do CHP, o partido secularista que lidera a oposição na Turquia.

Um responsável turco, citado pela AFP, assegura que as detenções fazem parte da “grande limpeza em curso” no país, afirmando que há poucos meses o Zaman era “o porta-estandarte dos meios de comunicação favoráveis” ao “terrorista Gülen”. “Os procuradores não estão interessados no que os colunistas escreveram ou disseram. De momento, a opinião é que os empregados com cargos mais importantes do Zaman terão um conhecimento íntimo da rede de Gülen e isso é importante para a investigação”, afirmou o mesmo responsável, citado pela Reuters.

Depois dos funcionários públicos, a purga prometida pelo Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, estende-se a outros sectores, tendo levado ao encerramento de escolas e universidades ligadas à vasta rede criada durante décadas por Gülen. Na segunda-feira, a companhia de aviação Turkish Airlines anunciou o despedimento de mais de uma centena de empregados, incluindo administradores e pessoal de cabine, por suspeitas de ligação ao movimento gülenista.

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As atenções voltam-se agora para a imprensa, fazendo temer o silenciamento das cada vez mais minoritárias vozes de oposição ao AKP. Ancara afirma, porém, que se limita a investigar todos os que possam ter ligações ao golpe militar, durante o qual foram mortas 246 pessoas, sobretudo civis que saíram à rua em resposta ao apelo de Erdogan para defender a democracia.

Até Março, quando foi tomado pela força, o Zaman era considerado próximo de Gülen, que vive nos Estados Unidos e foi até 2014 um dos principais aliados de Erdogan. Dezenas de jornalistas foram despedidos, a linha editorial passou de crítica a alinhada com o Governo e a popular edição em inglês do jornal foi suspensa.

Gülen, defensor de um islão moderado e da separação entre Estado e religião, nega qualquer envolvimento no golpe, que se apressou a condenar, mas parece já ter perdido a batalha da opinião pública. Uma sondagem divulgada terça-feira conclui que dois em cada três turcos acreditam que foi ele o cérebro do golpe militar – 3,8% atribuem-no aos EUA e só 2,2% dá crédito às teorias da conspiração que dizem ter sido o próprio Erdogan a orquestrar o golpe.

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