Para Michel Temer, o pior ainda está para vir
Depois de garantir o afastamento de Dilma, o novo Presidente tem agora de dar respostas à grave crise económica do Brasil sem pôr em causa a instável base de partidos que o apoiam no Congresso.
Michel Temer e a maioria que apoia o seu Governo no Congresso Nacional do Brasil obtiveram nesta quarta-feira uma sólida vitória no julgamento que determinou a destituição da ex-Presidente Dilma Rousseff. O pior, garantem todos os analistas da política brasileira, está no entanto para vir. Depois de ter passado meses a semear anúncios para colher expectativas na opinião pública e nos mercados financeiros, Temer vai ter agora de avançar com uma série de reformas capazes de retirar o Brasil do pior momento económico dos últimos 80 anos. E terá de o fazer num clima político de grande instabilidade, apesar de a sua base de apoio no Congresso lhe ser mais favorável do que a que se reuniu em torno de Dilma Rousseff.
Uma projecção feita pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, uma instituição que monitora há 30 anos os alinhamentos da Câmara de Deputados, diz que Michel Temer parte para a segunda fase do seu mandato, agora na qualidade de Presidente e não de interino, com o apoio seguro de 236 deputados. Depois, há 178 deputados dispostos a prestar-lhe um apoio condicionado. Finalmente, haverá o bloco da oposição, liderado pelo PT, que reúne 98 deputados. Com esta configuração, que repete a maioria garantida de votos no Senado (41 dos 81 senadores são próximos da coligação que sustenta o Governo), Michel Temer tem todos os trunfos na mão para fazer aprovar por maioria o pacote de medidas de austeridade foi anunciado. Mas mais difícil será promover emendas constitucionais – como a proposta do “Tecto dos Gastos”, que pretende limitar a despesa pública ao valor da inflação do ano anterior, para a qual precisa do apoio de 308 dos 513 deputados.
Mal chegou ao poder depois da abertura do processo de destituição de Dilma, em Abril, Temer disse ao que vinha: “Pretendo apresentar, logo no início, algo que seja útil e palatável para o país”, disse. O seu programa consistia num plano que acentuava medidas de austeridade já lançadas por Dilma e acrescentava-lhe um pacote de reformas estruturais. Com o país a perder 7% do seu produto em dois anos, com a economia a destruir 1,7 milhões de empregos e a inflação a rondar os 9%, Temer propunha uma terapia que alterava o pendor mais estatizante da governação PT. Na calha, para lá da proposta do “Tecto dos Gastos” estava uma reforma das pensões, mudanças na legislação laboral, cortes de 4300 comissões de serviço, privatizações de empresas públicas em vários sectores (incluindo a exploração do petróleo no pré-sal, até agora exclusivo da Petrobras) ou uma renegociação nas dívidas dos estados ao governo federal.
Para avançar com este programa, Temer rodeou-se de ministros de pendor liberal e capazes de suscitar expectativa nos mercados e nas elites económicas do país. Para a Fazenda, por exemplo, foi buscar Henrique Meirelles, uma estrela dos primeiros governos de Lula, quando ocupou a presidência do Banco Central. E para a Agricultura foi chamado Blairo Maggi, um multimilionário que é o maior produtor individual de soja do mundo e um dos campeões do desmatamento da Amazónia. Os anúncios e as expectativas da sua equipa funcionaram, na aparência. A valorização do dólar foi suspensa e o real recuperou. A Bolsa de São Paulo subiu 30% este ano. A indústria dá sinais de tímida animação e as projecções para 2017 apontam para uma queda do PIB menor do que a esperada – a OCDE anuncia um recuo de 1,7%.
Mas se se apresentou como o mentor de uma reforma que a sua base de apoio considera indispensável para reanimar o país, Michel Temer sabia que tinha de gerir as mudanças com cuidado, pelo menos até ao momento em que o Senado aprovasse a destituição de Dilma. Para começar, garantiu a aprovação de um défice de 170 mil milhões de reais (47 mil milhões de euros), ou seja, quase 10% do PIB, o que lhe dava uma folga orçamental para se consolidar. Para não criar ondas nos seus apoiantes, Temer propôs uma subida do salário dos funcionários públicos. Manteve os gastos nos programas sociais mais emblemáticos. A renegociação dos créditos aos estados esteve longe de satisfazer os sectores mais liberais do espectro político, com destaque para o PSDB, de Aécio Neves. A proposta de emenda do Tecto dos Gastos está parada desde Julho.
Com a posse plena do cargo de Presidente, Michel Temer deixa de ter expedientes para congelar as reformas duras com que se apresentou. No próximo mês, os avanços talvez sejam hesitantes – há eleições municipais em Outubro e ninguém quer ficar com o ónus da austeridade. Mas, a seguir, vai ter de avançar. Ou arrisca-se a perder o apoio de uma parte importante dos seus actuais aliados, com destaque para o PSDB e para os Democratas. Aécio Neves dizia em meados de Agosto que “o equilíbrio das contas públicas não será feito sem ousadia e coragem e ele terá o nosso apoio”, deixando no ar o aviso que, sem “ousadia e coragem”, o PSDB pode deixar o barco da governação.
O que Temer fizer está muito dependente do horizonte político que traçou. Quando tomou posse como Presidente interino, garantiu que não se recandidataria em 2018. Os mercados e os seus apoiantes viram nesta promessa a certeza de que, desistindo de ir a votos, ele faria o trabalho mais difícil de limpar as contas. Ficaria para a História como Itamar Franco, o vice de Collor de Mello que, após a destituição deste, em 1992, assumiu o poder e deu lastro à sua equipa para criar o Plano Real, que acabou com o longo surto de inflação no Brasil. Mas hoje não é tão claro que Temer não pense nas eleições. Rodrigo Maia, actual presidente da Câmara dos Deputados, já deixou no ar essa possibilidade, ao dizer que Temer “é a única candidatura que pode unificar a base do governo”.
Para o PMDB, o maior partido do país que se tem limitado a ajudar candidatos de outros partidos a chegar à presidência (“Nenhum presidente governa sem o apoio do PMDB”, dizia há um ano Fernando Henrique Cardoso), a solução Temer era ideal, desde que seja capaz de pôr as contas públicas na ordem sem penalizar em excesso as classes médias com austeridade. Mas na corrida há outros interessados. A começar pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, do PSD, um partido novo e emergente. Ou pela tríade clássica do PSDB, que tem na reserva três ex-candidatos prontos a avançar: o governador do estado de São Paulo, Geraldo Alkmin, o actual ministro dos Estrangeiros, José Serra, e Aécio Neves.
Para lá de ter de avançar com medidas duras para ajustar os gastos às receitas do Estado e de dar resposta às exigências de reforma dos mercados e de instâncias internacionais como o FMI ou a OCDE, Temer vai ter de jogar no equilíbrio entre a sua vontade e os desejos dos seus apoiantes. Para o PSDB, o ideal seria ele fazer a limpeza da casa, assumir os ónus políticos dessa operação e depois sair de cena. Temer e Meirelles sabem disso. O interesse dos aliados pode não bater certo com os seus interesses. Com a economia abalada, a sociedade descrente e o Governo inseguro pela permanente instabilidade de um parlamento onde mandam 35 partidos, Michel Temer sabe que o pior não foi a batalha para afastar Dilma. O pior ainda está para vir.
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