Oposição síria quer negociações de Genebra centradas na situação humanitária
Mais 16 pessoas morreram em Madaya à espera do fim do bloqueio. Delegação da oposição a caminho de Genebra
A oposição síria aceitou enviar uma delegação às negociações organizadas pelas Nações Unidas em Genebra, depois de ter recebido garantias de que será dada prioridade à situação humanitária catastrófica que o país enfrenta. Com meio milhão de pessoas a sobreviver com muito pouco em zonas cercadas pelos beligerantes, a urgência não podia ser maior, como prova a revelação, feita neste sábado pelos Médicos Sem Fronteiras, de que mais 16 pessoas morreram na cidade cercada de Madaya.
As negociações deveriam ter começado segunda-feira, para começar a dar substância ao plano acordado entre as potências que apoiam a oposição ou o regime do Presidente Bashar al-Assad, e que prevê um governo de transição no prazo de seis meses, seguido de uma nova Constituição e de eleições dentro de ano e meio. Mas, em mais uma prova de que nada será fácil no caminho para concretizar a iniciativa, a oposição, enfraquecida pelos recentes avanços do Exército sírio apoiado pela aviação russa, recusaram enviar os seus delegados a Genebra, exigindo o fim dos bombardeamentos e a entrada de ajuda humanitária nas zonas cercadas.
Não há notícia que as duas reivindicações tenham sido respondidas, mas sexta-feira à noite, após quatro dias de hesitações, o Alto Comité de Negociação (HNC), que junta os grupos da oposição que a Arábia Saudita conseguiu unir, anunciou que uma delegação chegaria neste sábado à noite a Genebra. Isto “após ter obtido garantias dos Estados Unidos e das Nações Unidas” de que haverá avanços na aplicação da resolução, aprovada em 2015 e que exige a todos os beligerantes que dêem às organizações humanitárias livre acesso às localidades na frente de guerra.
“Vamos a Genebra testar a seriedade da comunidade internacional nas promessas que fez ao povo sírio e testar também a seriedade do regime na aplicação das suas obrigações humanitárias”, disse à Reuters Riyad Naasan Agha, porta-voz do comité, depois de notícias que davam conta da intensa pressão feita nos últimos dias por norte-americanos e europeus para que o grupo não boicotasse as negociações. “Queremos mostrar ao mundo que estamos seriamente empenhados em negociações para encontrar uma solução política”, afirmou o representante.
O diálogo, para o qual não foram convidados os rebeldes curdos, será feito essencialmente através de Staffan de Mistura, o enviado especial das Nações Unidas para a Síria, que se reunirá alternadamente com os representantes da oposição e do regime sírio, com quem falou já sexta-feira uma primeira vez. Há um consenso de que a discussão sobre um futuro governo de transição – ponto mais difícil do plano internacional – não pode começar sem que haja melhorias no terreno, sejam os cessar-fogos locais em que De Mistura aposta para baixar a intensidade do conflito, seja o ainda mais urgente acesso das organizações internacionais às cidades cercadas.
Fome em Madaya
No final do ano passado, a ONU calculava que há 486 mil pessoas a viver em 15 localidades cercadas, sobretudo pelo Exército sírio, mas também pela oposição e pelos jihadistas do Estado Islâmico. Madaya, cidade de 40 mil pessoas situada entre Damasco e a fronteira com o Líbano, é uma das maiores e a situação dramática denunciada por activistas locais levou o governo sírio a ceder à pressão da ONU, deixando entrar em meados deste mês dois carregamentos com ajuda de emergência.
Desde então, quase nada mudou e neste sábado a organização Médicos Sem Fronteiras denunciou que mais 16 pessoas morreram nas últimas duas semanas. A organização, que apoia as poucas clínicas que resistem na cidade, diz ter confirmação de que nos últimos dois meses 46 habitantes morreram de inanição na cidade, controlada pelos rebeldes. “É imediatamente necessária uma presença médica permanente e independente em Madaya, porque a situação vai continuar a agravar-se”, apelou Brice de le Vigne, directora de operações dos MSF, adiantando que há 320 casos registados de malnutrição na cidade, dos quais 33 “correm risco de vida”.
Também neste sábado, o Observatório Sírio dos Direitos Humanos adiantou, sem precisar as suas fontes, que os bombardeamentos da aviação russa mataram já 1400 civis. A Rússia entrou no conflito no final de Setembro e a oposição afirma que durante os primeiros meses o seu alvo foram as zonas sob controlo dos rebeldes. Moscovo nega a acusação, assegurando, contudo, que ao contrário da coligação lideradas pelos Estados Unidos, não visa apenas o Estado islâmico mas todos os grupos terroristas presentes no país. Segundo o Observatório, os ataques russos infligiram também um milhar de baixas aos jihadistas e mais de 1200 aos vários grupos rebeldes.