Militares garantem ter tomado o poder no Mali
As tropas rebeldes apelaram à calma, depois de terem decretado o recolher obrigatório e suspendido a Constituição. Vários ministros foram detidos pelos soldados revoltosos, o Presidente terá sido levado para um local seguro pela sua guarda pessoal, um campo militar na capital, segundo a AFP.
Será também num campo militar no centro de Bamaco que estarão detidos os ministros dos Negócios Estrangeiros, Trabalho e Administração Territorial.
Na origem do golpe está a desestabilização causada por rebeldes tuaregues e grupos islamistas no Norte do país, com os militares rebeldes a acusar o Governo agora deposto de não disponibilizar armas suficientes para travar a rebelião.
Pouco após os confrontos, que começaram na tarde de ontem, os militares tomaram de assalto a estação de rádio e televisão em Bamaco e estas deixaram de emitir. Durante algumas horas ouviu-se música tradicional do Mali, até que os autores do golpe transmitirem as primeiras mensagens. Apresentaram-se como Comité para o Restabelecimento da Democracia e Restabelecimento do Estado”.
A rebelião foi comandada pelo capitão Amadou Sanogo, que anunciou um recolher obrigatório, mas no ecrã da televisão surgiu também o tenente Amadou Konare a anunciar, pelas 23h00, que os militares puseram fim ao “regime incompetente” do Presidente Touré e a denunciar a “inaptidão do Governo para combater o terrorismo”.
Os confrontos mais intensos ocorreram diante do Palácio Presidencial. Os militares revoltosos anunciaram também a detenção de alguns líderes militares no Norte do país e o encerramento das fronteiras e pediram aos funcionários públicos para regressarem ao trabalho apenas na próxima semana.
Nos últimos meses os rebeldes tuaregues têm levado os militares do Mali a recuar em algumas regiões do Norte do país, e este golpe acontece também cerca de um mês das eleições presidenciais que estavam previstas para 29 de Abril. Touré não iria candidatar-se porque chegou à presidência em 2002 e, de acordo com a Constituição, estava impedido de disputar um terceiro mandato.
Arsenais de Khadafi alimentam confrontos no NorteA rebelião no Norte já se prolonga desde os anos 90, mas intensificou-se em Janeiro com ataques de grupos tuaregues do Movimento Nacional para a Libertação de Azawad (MNLA) e outros rebeldes, entre eles homens armados que tinham combatido na vizinha Líbia pelo regime deposto de Muammar Khadafi.
O regime de Khadafi foi derrubado há cinco meses, mas são os arsenais do coronel deposto que circulam na região e armam a rebelião tuaregue no Mali. “Está claro que tem havido uma proliferação significativa devido ao conflito na Líbia e há informações credíveis sobre isso em relação à Argélia, Níger e Mali”, sublinhou em declarações ao El País o director do programa de África da Chatham House, Alex Vines.
O Governo de Amadou Toumani Touré tem também acusado a Al-Qaeda no Magrebe islâmico, com bases no Norte do Mali, de combater ao lado de rebeldes do MNLA.
Os confrontos no Norte tornaram-se nos últimos dois meses cada vez mais difíceis para os militares do Mali e motivaram a revolta que partiu de Kita, a cerca de 15 quilómetros da capital, tomou depois Bamaco e Koulouba, onde se encontra o palácio presidencial. Pouco depois foi anunciada a “dissolução de todas as instituições”.
Nos confrontos em redor do Palácio Presidencial morreram pelo menos 50 militares, segundo responsáveis da protecção civil. Nesta quinta-feira de manhã Bamaco era uma cidade fantasma, grande parte dos habitantes ficaram em casa mas esporadicamente ouviam-se tiros, contou o jornalista da AFP. O aeroporto manteve-se encerrado e todos os voos foram cancelados.
Condenações internacionaisNo Mali, a única formação política a referir-se ao golpe militar foi o partido Solidariedade, o único da oposição com assento na Assembleia Nacional. O seu Presidente, Oumar Mariko, saudou a actuação dos militares revoltosos e disse estar pronto para responder ao apelo de formação de um Governo de Unidade Nacional, adiantou a AFP.
Mas o golpe está a ser alvo de duras críticas por parte de vários países, a começar pela França, a antiga potência colonial, que anunciou a suspensão da cooperação com o Mali com excepção das iniciativas de apoio à população. O ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Alain Juppé, defendeu a realização de eleições “o mais rápido possível”.
A actuação dos militares foi também condenada pela União Europeia e a União Africana, cujo presidente da Comissão, Jean Ping, condenou “firmemente” o golpe e reiterou “a política de tolerância zero em África quanto a qualquer mudança anticonstitucional” e a rejeição de “qualquer tomada de poder pela força”.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, apelou à calma e para que a situação seja resolvida “pacificamente” e, nos Estados Unidos, o porta-voz da Casa Branca Jay Carney condenou o gole e pediu “o regresso imediato da ordem constitucional”.