Jeremy Corbyn enfrenta o primeiro motim da era pós-referendo
Afastamento de Hilary Benn levou um terço do “governo-sombra” a demitir-se. Com eleições antecipadas no horizonte, revoltosos acusam líder trabalhista de falta de liderança
A decisão sobre o próximo inquilino de Downing Street está nas mãos do Partido Conservador britânico. Mas a hipótese, agora credível, de o Reino Unido voltar às urnas nos próximos meses bastou para desatar o motim há muito anunciado contra o líder dos trabalhistas, acusado pelos opositores de pouco ter feito para evitar a saída do país da União Europeia. Não é certo, porém, que a tentativa para destronar Jeremy Corbyn consiga fazer mais do que dividir o partido e agravar a convulsão que se apoderou da política britânica.
Domingo não foi dia de descanso para os partidos e as primeiras notícias chegaram de madrugada. Horas depois de o jornal Observer ter noticiado que Hilary Benn, “ministro-sombra” do Labour para os Negócios Estrangeiros, se preparava para liderar uma tentativa de golpe interno, Corbyn demitiu-o por telefone. “Hilary Benn foi demitido porque o Jeremy perdeu a confiança nele”, explicou um porta-voz trabalhista.
O deputado – filho do histórico deputado Tony Benn, que foi mentor de Corbyn na juventude – não foi menos brando. Num comunicado que divulgou durante a noite e numa entrevista horas mais tarde à BBC, disse ter informado Corbyn de que “tinha perdido a confiança na sua capacidade para liderar o partido e vencer eleições”. “Neste momento absolutamente crítico para o nosso país, o Partido Trabalhista precisa de uma liderança forte e eficaz”, explicou, garantindo que não é candidato ao lugar de Corbyn.
Esta não foi a primeira vez que os dois entraram em rota de colisão – Benn proferiu no Parlamento um muito elogiado discurso a favor da intervenção militar britânica na Síria a que Corbyn se opôs. Mas a forma como foi afastado acelerou a rebelião. Uns após outros, dez dos 30 deputados que integravam o “governo-sombra” apresentaram a sua demissão, todos eles criticando a “falta de liderança” do líder trabalhista e a sua “incapacidade” para reconduzir o partido ao poder. Tom Watson, o vice-líder do partido, admitiu estar “profundamente desiludido” com o afastamento de Benn e, num sinal de que se poderá juntar os revoltosos, anunciou que vai reunir-se nesta segunda-feira com Corbyn para discutir “formas de avançar”.
Corbyn, que há décadas milita na ala mais à esquerda do partido, nunca teve consigo a maioria da bancada, dominada pelos centristas e pelos aliados do antigo líder Ed Miliband. São estes que agora o acusam de não ter feito o suficiente para convencer os eleitores tradicionais do partido – os trabalhadores dos antigos pólos industriais do Norte e das cidades nas Midlands, onde a vitória do “Brexit” acabou por ser decisiva.
Uma análise feita por John Curtice, especialista em comportamento eleitoral, aos resultados do referendo, confirma que o Labour não conseguiu mobilizar um eleitorado que era à partida esmagadoramente a favor da permanência. Mas afirma que David Cameron foi muito menos eficaz a conseguir o apoio dos seus eleitores – só 42% das pessoas que votaram nos conservadores nas legislativas de 2015 votaram pela permanência, contra 63% dos trabalhistas. E entre os que votaram pela saída, muitos apontam a imigração e a revolta contra a classe política como as principais razões para o seu voto – temas que o partido antieuropeu UKIP tem capitalizado e para os quais nem a ala centrista, nem Corbyn têm respostas.
Mas a demissão de Cameron instalou a convicção que, mais cedo ou mais tarde, o novo primeiro-ministro precisará de convocar eleições para legitimar o seu mandato. E muitos temem que a actual liderança não só não seja incapaz de vencer eleições, como ponha em risco os seus lugares em Westminster. “Não há um círculo seguro a norte de Islington”, disse ao Guardian um deputado, referindo-se à circunscrição que Corbyn representa, no norte de Londres.
Mas para os aliados do líder – os sindicatos e o activistas que se mobilizaram para o eleger em Setembro – o regresso às políticas centristas do New Labour é exactamente o que o partido deve evitar se quiser reconquistar os seus eleitores.
John McDonnell, “ministro-sombra” das Finanças, garantiu que Corbyn não se demite, ainda que a moção de desconfiança que vai ser discutida nesta segunda-feira seja aprovada. Neste caso, os revoltosos teriam de reunir as assinaturas de 50 deputados para forçar uma eleição interna. McDonnell assegura que, mesmo assim, Corbyn vai recandidatar-se – para isso precisa, no entanto, de reunir ele próprio o apoio de 50 parlamentares. Passada esta fasquia, a tarefa da oposição complica-se, uma vez que tanto os sindicatos como os militantes de base continuam ao lado do líder. Len McCluskey, líder da central Unite, avisou que apoiará a destituição dos deputados “desleais a um líder eleito há apenas dez meses”. E o grupo de activistas que suportou a campanha de Corbyn convocou uma concentração em Westminster para a mesma hora a que está prevista a discussão da moção de desconfiança.