It’s the Congress, stupid!

A menos de uma semana das eleições, os estrategos do Partido Democrata e do GOP deveriam começar a pensar mais no Congresso do que propriamente na Casa Branca.

Os americanos podem não acreditar nos políticos, mas acreditam naquilo que vêem e naquilo que ouvem. Quando, há umas semanas, o Washington Post divulgou o revelador vídeo de 2005, em que aparece Donald Trump a tecer comentários indignos sobre a forma como se “relacionava” com as mulheres, logo na altura se percebeu que o candidato republicano tinha sofrido um duro golpe na sua campanha, do qual teria dificuldades em recuperar, mesmo que tivesse ao seu serviço (que não tem) os melhores spin doctors do mundo – nem mesmo a mais recente investigação do FBI aos e-mails de Hillary Clinton deverá alterar a dinâmica dos resultados eleitorais.

O golpe fatal para Trump não se ficou a dever tanto ao conteúdo das suas palavras que se ouvem naquele vídeo (que, diga-se, não representa propriamente uma novidade), mas sobretudo à forma como isso aconteceu. Não se tratou de mais uma mulher que veio para a praça pública denunciar o comportamento perverso de Trump ou mais uma notícia de jornal a acusar o magnata de actos impróprios, por mais graves e sustentadas que fossem essas acusações. Desta vez, os americanos viram e ouviram da boca do próprio aquilo que ele é na sua essência, num ambiente de pura descontracção, despojado dos (poucos) filtros que tinha. 

À revelia de qualquer estratégia de comunicação política ajuizada, Trump já tinha dito durante a campanha muitos disparates totalmente inócuos e também teceu várias considerações graves à luz daquilo que são os direitos fundamentais de qualquer pessoa, mas disse-o sempre num contexto de campanha, o que lhe permitiu conquistar um estatuto de inimputável. Se é certo que uma parte do eleitorado lhe passou um atestado de estupidez, a outra parte parecia conviver bem com aquele personagem político, a tal ponto de Trump chegar a ultrapassar a sua rival nas sondagens e fazer tremer os alicerces do sistema político americano.

O Washington Post “acabou” de vez com as aspirações presidenciais de Donald Trump e a partir daquele momento a espiral negativa tornou-se imparável. O republicano Jim Dornan, que trabalhou com Trump no início da sua candidatura presidencial, dizia há uns dias ao site Politico não ter dúvidas de que “Trump is done”. E esta é a convicção da maioria dos republicanos, mesmo os mais conservadores, e até mesmo de muitos responsáveis do Tea Party. Aliás, fazendo-se a média de todas as sondagens publicadas desde há uns meses a esta parte, constata-se que Clinton se manteve sempre na liderança, com uma vantagem de três a cinco pontos percentuais. Nessa média, em momento algum Trump esteve na frente.

O desafio que se coloca agora aos estrategos do Partido Republicano é saber qual a estratégia política a seguir na gestão de danos, por modo a evitar que a campanha de Trump contagie a eleição dos lugares em disputa para a Câmara dos Representantes e para o Senado. E é aqui que os consultores de comunicação do GOP se deviam concentrar, já que os vários candidatos republicanos, seja para congressista ou para senador, têm pela frente um dilema: ou se distanciam de Trump e se arriscam a colocar em causa o apoio de parte do seu eleitorado; ou apoiam publicamente Trump e serão fortemente atacados pelos seus rivais democratas.

Hillary Clinton percebeu isto e já está de olho no Congresso, nomeadamente na possibilidade de reconquistar a maioria do Senado, o que lhe daria um reforço de poder ao chegar à Casa Branca. Mais difícil será a Câmara dos Representantes, mas qualquer ganho de assentos democratas será sempre visto com uma vitória de Clinton.

Curiosamente, a menos de uma semana das eleições, os estrategos do Partido Democrata e do GOP deveriam começar a pensar mais no Congresso do que propriamente na Casa Branca, porque, a não ser que aconteça uma hecatombe na campanha de Hillary, será na Câmara dos Representantes e no Senado que os republicanos poderão encontrar a sua redenção e os democratas a sua glória plena.

Consultor de comunicação

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