Isolados, eurocépticos britânicos querem centrar debate na imigração

Relatório da OCDE é o último de vários avisos para as pesadas consequências da saída do Reino Unido na UE. Quebra na chegada de novos trabalhadores seria prejudicial, avisa organização.

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O UKIP fez do controlo da imigração comunitária tema central da sua agenda James Pheby/AFP

A OCDE atirou uma nova pedrada no charco das perspectivas económicas dos que defendem a saída do Reino Unido da União Europeia – se o “Brexit” sair vencedor do referendo de Junho, a economia do país sofrerá diversos impactos negativos que podem levar a que, no espaço de quatro anos, as famílias estejam a receber menos 2200 libras (cerca de 2800 euros) do que seria previsível. Mas os eurocépticos não se dão por vencidos e, na resposta ao coro de alertas internacionais, tentam agora centrar o debate no terreno mais favorável da imigração.

“Não há qualquer lado positivo para o Reino Unido no [caso de vitória] do ‘Brexit’. Apenas custos que podem ser evitados e vantagens que devem ser aproveitadas ficando na UE”, assegurou Angel Gurría, secretário-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), na apresentação do relatório em que o think-tank analisa as consequências económicas da saída, no médio e no longo prazo.

E tal como outros estudos divulgados nas últimas semanas, o documento dificilmente poderia ter sido mais generoso nos argumentos que oferece aos que defendem a permanência na UE. Por um lado avisa que a economia do país vai ressentir-se de imediato da incerteza criada, num efeito que tende a agravar-se com o tempo – prevê que, em 2020, o PIB será 3% inferior ao que é previsível estando o país na UE, calculando que, em 2030, a perda deverá rondar os 5%.

Mas faz também questão de passar a mensagem aos britânicos de que a saída vai ter efeitos concretos e negativos nos seus bolsos. “Em alguns aspectos, o ‘Brexit’ seria semelhante a um imposto, impondo um custo persistente e cada vez maior na economia ao longo do tempo. Mas ao contrário da maioria dos impostos, este não financiaria os serviços públicos ou serviria para combater o défice. Seria uma pura perda de dinheiro”, lê-se no relatório, sublinhando que o custo imposto às famílias no curto prazo (2200 libras, em 2020) ronda o salário médio no país.

“O Reino Unido é muito mais forte na Europa e a Europa tem muito mais força se tiver o Reino Unido como sua força motriz”, insistiu Gurría, acusando os que dizem que Londres seria capaz de, sozinho, fazer acordos comerciais mais favoráveis de “vender ilusões” e “não estar devidamente informado sobre os custos” de uma ruptura com Bruxelas.

A campanha pelo “não” à UE atacou de imediato as conclusões da OCDE, lembrando que a mesma organização recomendou a adesão do país ao euro. “Porque deveríamos ouvir agora as suas previsões apocalípticas?”, questionou-se Robert Oxley, porta-voz do grupo Leave.EU ouvido pelo Guardian. Estas organizações internacionais “estão cheias de antigos políticos falhados que recebem grandes salários”, acrescentou Nigel Farage, líder do partido populista UKIP.

Mas a semana que passou – e que incluiu um igualmente sombrio relatório dos economistas do Ministério das Finanças e a passagem do Presidente norte-americano, Barack Obama, por Londres para um inequívoco apoio à permanência – obrigou a uma revisão de estratégia dos “brexiters”. “A sua melhor hipótese neste referendo é centrar a campanha numa cruzada monotemática contra a imigração”, escreveu o analista Janan Ganesh no Financial Times, sublinhando que é agora claro para os eurocépticos que nenhuma nação amiga ou organização internacional virá em seu auxílio.

Uma estratégia posta em marcha pelos pesos mais pesados da campanha. Segunda-feira, o ex-ministro dos Assuntos Sociais, Ian Duncan Smith, afirmou na BBC que a imigração para o país “está fora de controlo” e o ainda ministro da Justiça, Michael Gove, escreveu no The Times que a previsível adesão de novos países à UE criará “milhões de novos cidadãos europeus”, fazendo antever uma nova vaga de imigração que colocará os serviços públicos britânicos sob “uma pressão inquantificável”.

No resumo que fez do relatório da OCDE, o jornal eurocéptico Daily Telegraph sublinhava também que, apesar das perspectivas económicas sombrias, a organização admitia que, fora da UE, Londres conseguiria reduzir o saldo migratório para 84 mil pessoas por ano (contra os 323 mil em 2015). Isto, apesar de o documento sublinhar que a chegada de novos trabalhadores foi responsável por metade do crescimento económico do país desde 2005 e afirmar que, caso o país vire as costas à livre circulação de pessoas, isso não se traduzirá num aumento do emprego para os britânicos. Apesar de fazer as piores previsões possíveis, a OCDE “admite que seremos capazes de reduzir a imigração quando recuperarmos o controlo das nossas fronteiras”, apontou a secretária de Estado do Emprego, Priti Patel, um dos sete membros do executivo em campanha pelo "Brexit".

O antigo comissário europeu, Peter Mandelson, acusou os partidários da saída de cederem à retórica populista do UKIP, que fez do fecho das fronteiras a sua bandeira. Uma sondagem recente indica que quase metade dos britânicos admitem decidir o seu voto em função da imigração e vários observadores admitem que os três milhões de cidadãos comunitários que residem actualmente no país (o dobro de há dez anos) estão a colocar sob pressão os serviços de saúde e educação e a contribuir para o aumento do custo da habitação no país. As preocupações dos eleitores são legítimas, disse à AFP Joseph Downing, professor da London School of Economics, mas devem também ter em conta que os trabalhadores europeus “contribuem muito em matéria fiscal”. “Foi o Governo que não soube transformar [este dinheiro] em infraestruturas”. com Sérgio Aníbal

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