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"Está tudo com medo" da Lava Jato, revela presidente do Senado do Brasil

Numa nova gravação secreta divulgada pela Folha de S. Paulo, Renan Calheiros fala sobre o impacto das investigações anti-corrupção no Congresso e critica colaboração com a justiça.

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Renan Calheiros, à direita, ao lado do Presidente interino Michel temer e à esquerda Romero Jucá, também apanhado nas gravações AFP/EVARISTO SÁ

O presidente do Senado brasileiro, Renan Calheiros, é a última “vítima” das gravações secretas feitas pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, um dos suspeitos da trama de corrupção investigada pela Operação Lava Jato e que aceitou colaborar com a justiça em troca de uma eventual redução de pena. Antes dele, o seu correligionário do PMDB e ministro interino do Planeamento, Romero Jucá, foi obrigado a abandonar o cargo após a divulgação de excertos de uma conversa com Machado, na qual se referia a um plano para afastar a Presidente Dilma Rousseff.

Ironia das ironias, Calheiros surge na gravação a defender a aprovação de mudanças na lei para pôr cobro aos chamados acordos de delação premiada, que pressupõem que indivíduos sob investigação possam denunciar outros suspeitos ou fornecer provas aos magistrados, obtendo com isso um tratamento diferenciado em caso de condenação. O presidente do Senado, que pertence ao PMDB do Presidente interino Michel Temer, refere-se a um pacto “para passar uma borracha no Brasil”, e que implicaria, antes de mais nada, a abolição desse instrumento de colaboração com a justiça. “A primeira coisa é: não pode fazer delação premiada preso”, diz Renan Calheiros, cujo nome também se encontra na lista de suspeitos da Lava Jato.

Mas foi precisamente para poder usufruir desse “benefício” que Sérgio Machado realizou as gravações com várias figuras da cúpula do PMDB. As informações assim recolhidas e entretanto avançadas aos investigadores foram oficialmente sancionadas esta quarta-feira pelo juiz do Supremo Tribunal Federal brasileiro, Teori Zavascki, que homologou o acordo de delação premiada assinado pelo ex-presidente da Transpetro – uma subsidiária da Petrobras a cujo cargo Machado chegou por indicação do PMDB. Com a autorização do Supremo, todos os dados fornecidos pelo delator passam a integrar o processo, podendo ser utilizados pela Procuradoria-geral da República nos vários inquéritos da Lava Jato.

A primeira gravação que foi conhecida, envolvendo o ministro interino do Planeamento e sucessor de Michel Temer na presidência do PMDB, Romero Jucá, provocou mossa – não só para o próprio, que foi obrigado a deixar o cargo, como para o Governo interino, cuja legitimidade política continua a ser duramente contestado por aqueles que vêem o processo de destituição de Dilma como um “golpe” para tomar o poder.

As declarações de Jucá e Calheiros são bastante comprometedoras, e parecem dar força à tese da “conspiração” para o afastamento da Presidente, a fim de travar as investigações da Lava Jato – tanto Jucá como Renan Calheiros e vários outros políticos do PMDB (alguns dos quais foram agora promovidos a ministro) são suspeitos de corrupção.

Segundo a Folha de S. Paulo, as conversas “revelam o pânico generalizado da classe política com as delações em curso” na Operação Lava Jato, protagonizadas por alguns dos mais poderosos empresários do sector da construção ou por políticos do Congresso apanhados na teia de corrupção em torno da estatal petrolífera Petrobras. Na gravação, Renan Calheiros menciona Delcídio do Amaral, senador do PT e antigo líder do Governo no Senado, que aceitou colaborar com a investigação. “Deus me livre, o Delcídio é o mais perigoso do mundo. O acordo era para ele gravar a gente”, comenta Renan, que acrescenta que perante o avanço da Lava Jato, “todo o mundo está perdendo a condição política” e a ficar com “medo”.

Como exemplo, diz ter sido procurado pelo senador do PSDB e adversário presidencial de Dilma, Aécio Neves, preocupado com as possíveis revelações de Delcídio do Amaral (que o acusou de beneficiar de um esquema de corrupção na estatal Furnas). “Aécio está com medo, ele queria que eu visse esse negócio do Delcídio, se tem mais alguma coisa”, revela. Sérgio Machado lembra que pertenceu ao partido social democrata durante dez anos. “Não sobre ninguém, Renan”, diz. Aliás, acrescenta que “não escapa ninguém de nenhum partido. Do Congresso, se sobrar cinco ou seis é muito. Governador não sobra nenhum”.

Além dos receios de implicação na Lava Jato, os dois discutem a complicada situação política da Presidente Dilma Rousseff e as movimentações para fazer avançar o processo de destituição. “O Michel [Temer] é o elemento número um dessa solução, a meu ver, com todos os defeitos que ele tem”, considera Machado. “Eu disse a ele: Michel, você tem que ficar calado, não fala, não fala”, replica Calheiros.

O líder do Senado, que era um aliado de Dilma antes da aprovação do processo de destituição, garante que a Presidente não vai renunciar e vai combater o impeachment. “Ela me disse e é verdade mesmo. Nessa crise toda estavam dizendo que ela estava abatida. Ela não está abatida, ela tem uma bravura pessoal que é uma coisa inacreditável”, assinala.

Na sequência da publicação da conversa, o gabinete de Renan Calheiros emitiu uma nota a garantir que nada na gravação indica a prática de crime ou uma tentativa de obstruir as investigações judiciais, e recorda posições públicas anteriormente assumidas pelo senador sobre a lei de delações. O presidente do Senado aproveita para corrigir a citação relativa a Aécio Neves, explicando que se tinha exprimido mal, e que pretendia apenas dar conta da “indignação” e não do medo do político do PSDB com o depoimento de Delcídio do Amaral.

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