Em Lisboa gritou-se "fora Temer" e "directas já"
Deputados de todos os partidos de esquerda, escritores, artistas, juntaram-se no Teatro Tivoli ao brasileiro Gregorio Duvivier para censurar o “golpe” no Brasil.
Quis o acaso que a solidariedade portuguesa com os críticos do processo que afastou Dilma Rousseff da Presidência do Brasil contasse com várias vozes de sotaque fechado e nascimento tropical. Isabel Moreira e Miguel Tiago nasceram no Brasil. E agora são deputados em Lisboa, do PS e do PCP, respectivamente.
Gregorio Duvivier, o actor e humorista brasileiro (do colectivo Porta dos Fundos), que está com um espectáculo neste mesmo Teatro Tivoli, brincou com a revelação: “Isso explica o problema da democracia brasileira. Todos os bons deputados vieram morar aqui. Por isso eu vou pedir a repatriação do Miguel e da Isabel.”
Duvivier mostrou-se agradecido “pela fraternidade dos portugueses” e pela sala quase cheia do Tivoli, nesta tarde de sexta-feira. Nos camarotes uma frase exigia “golpe nunca mais”, enquanto que na sala vários dos presentes mostravam cartazes em defesa do Ministério da Cultura, extinto no novo Governo de Michel Temer, e pela “imparcialidade dos media”.
Joana Mortágua, deputada do BE, que escreveu o manifesto que convocou este encontro no Tivoli, justificou a fraternidade elogiada por Duvivier: “Nenhum povo se pode deitar à sombra dos direitos conquistados e assistir a um golpe noutro país.”
Apesar das diferenças, que o actor brasileiro fez notar, várias vezes, entre a situação dos dois países. “A democracia de vocês é mais amadurecida. Vocês reclamam muito da política aqui, mas é surreal a diferença”, insistiu Duvivier, alargando os elogios (por comparação) aos próprio media portugueses.
O encontro foi transmitido, em directo, para o Brasil, pelo colectivo Media Ninja. E um dos pontos altos foi a intervenção de Sérgio Godinho, que cantou, à capela, a sua canção “Democracia”, aquela que garante que “a democracia é o pior de todos os sistemas com excepção de todos os outros”. Sérgio Godinho, muito elogiado por Duvivier, começou por citar uma crónica de Rui Tavares, no PÚBLICO, para garantir que “não temos nada a temer excepto o Temer”. Mas foi a jornalista Anabela Mota Ribeiro que pôs a sala a cantar o refrão da tarde: “O que aconteceu no Brasil é tão chocante, quase tão inverosímil, que temos de fazer tudo para pôr fora aquela gente. Fora Temer.”
O tom não foi de pesar, apesar de tudo. José Eduardo Agualusa vê “um lado bom em todo este processo: está a despertar consciências, há uma juventude em luta no Brasil.” E o próprio Duvivier garante que leva de Lisboa a frase que ouviu a um ouvinte português, num fórum radiofónico. “Quando os políticos nos fazem rir só nos restam os humoristas para nos fazer pensar.”