“Contabilista de Auschwitz” condenado a quatro anos de prisão

Oskar Gröning foi acusado de “contribuição menor” na morte de 300 mil pessoas, no campo de concentração nazi, entre Maio e Julho de 1944.

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Oskar Gröning na hora de ouvir a sentença Axel Heimken/Reuters

“Não há dúvida de que eu partilho uma culpa moral. Quanto à questão da responsabilidade penal, cabe-vos [tribunal] decidir”, tinha dito Oskar Gröning, citado pela agência AFP, em Abril, no início do julgamento que teve lugar no tribunal de Luneburgo, no norte da Alemanha.

As acusações contra o homem de 94 anos, conhecido como o “contabilista de Auschwitz”, devido à natureza administrativa das suas tarefas, naquele campo de concentração nazi, reportavam-se ao período de tempo entre Maio e Julho de 1944, por motivos “legais e de prova” e baseavam-se em dois principais eixos, segundo a AFP: apoio económico ao regime – enviava para a capital o dinheiro dos recém-chegados a Auschwitz – e colaboração,  “por três vezes”, na selecção entre aqueles que estavam em condições para trabalhar no campo e os que foram enviados imediatamente para as câmaras de gás.

Nos três meses em questão, chegaram ao campo de concentração de Auschwitz, no sul da Polónia, cerca de 425 mil judeus, vindos essencialmente da Hungria, transportados em mais de 130 comboios. A acusação contra Gröning, que tinha 21 anos em 1944, diz que, desse número de recém-chegados, pelo menos 300 mil foram enviados directamente para as câmaras de gás do campo.

Do lado da defesa, os advogados de Gröning argumentaram, segundo a televisão britânica BBC e a AFP, que o réu já tinha assumido a “culpa moral” e pedido o seu perdão pela sua participação no regime nazi. Como tal, pediram a sua absolvição, alegando que, face à sua tomada de posição e aos mecanismos de natureza penal do direito alemão, não se podia acusar o réu de ter “favorecido o Holocausto”.

Esta quarta-feira, quatro meses após o início do julgamento - que envolveu os testemunhos de cinquenta sobreviventes de Auschwitz - o tribunal de Luneburgo, presidido pelo juíz Franz Kompisch, condenou Gröning a quatro anos de prisão, mais seis meses do que havia sido pedido, inicialmente, pelo Ministério Público alemão, no início do mês de Julho. O tribunal concluiu que as tarefas que o réu realizou, enquanto “contabilista”, resultaram numa “contribuição menor” no assassínio das 300 mil pessoas e no apoio económico ao regime de Adolf Hitler.

“Saudamos a condenação de Oskar Gröning”, congratularam-se os sobreviventes de Auschwitz que testemunharam no julgamento, através de um comunicado partilhado pelos seus representantes. Apesar de considerarem ter sido feita “justiça”, estes sobreviventes não deixaram de “lamentar” a acusação “tardia” deste e de outros ex-nazis.

Oskar Gröning serviu em Auschwitz entre 1942 e 1944. Viveu durante décadas em conflito com a sua consciência e resolveu, em 1985, assumir as suas responsabilidades, ao contrário de milhares de alemães que negaram envolvimento nas atrocidades cometidas pelo regime nazi, antes e durante a Segunda Guerra Mundial.

Falou à imprensa, escreveu sobre o assunto e pediu desculpa, em busca de “paz interior”. Assumiu ter sido um nazi convicto e, embora nunca tenha matado ninguém, confessou ter sido “uma peça da engrenagem que eliminou milhões de pessoas inocentes”.

O seu julgamento tornou-se possível com a jurisprudência criada pela condenação, a cinco anos de prisão, de John Demjanjuk, um antigo guarda do campo de Sobibór, em 2011. O caso foi o primeiro em que a justiça alemã condenou alguém por “cumplicidade” com os crimes cometidos pelos nazis.

“Sinto-me culpado em relação ao povo judeu, culpado por ter pertencido a um grupo que cometeu esses crimes, mesmo que não tenha sido um dos executores. Peço perdão ao povo judeu. E peço perdão a Deus”, partilhou Oskar Gröning à revista alemã Der Spiegel, há cerca de dez anos.

O julgamento do “contabilista Auschwitz” foi, seguramente, um dos últimos envolvendo antigos nazis. Milhares de antigos colaboradores do regime do Partido Nacional Socialista não chegaram, nem chegarão, a ser julgados. Muitos fugiram da Alemanha no fim da guerra. Outros nunca admitiram o seu envolvimento. E ainda há os que já morreram e aqueles que, estando vivos, já não se encontram em condições mentais para se apresentarem a julgamento.

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