A UE vai mudar, não morrer
Acreditar que a UE vai morrer e que portanto não é preciso lutar para a mudar é provavelmente o pior erro político de uma parte da esquerda europeia.
Há quase um ano escrevi para um portal de língua inglesa sobre a possibilidade do Brexit (antes do referendo, portanto) as seguintes frases:
“Lamento dizê-lo aos nossos amigos britânicos, mas o Brexit é acima de tudo um problema britânico. Eu gostaria de ver o Reino Unido permanecer na UE e posso até defender que há interesse, por parte (por exemplo) do meu país, em que isso aconteça. Porém, se o Reino Unido deixar a União Europeia isso será no máximo algo a lamentar — mas não algo que ponha fim ao projeto europeu.”
A evolução dos acontecimentos, por incrível que pareça, permite reforçar esta ideia. O Brexit aconteceu no pior momento possível para a UE. Não há um consenso sobre como tratar a saída do Reino Unido. Não há uma visão comum para o futuro da União. E, no entanto, é o país que saiu que está desorientado à procura da porta e sem saber como a franquear.
A UE não vai morrer por causa do Brexit e não digo isto por esperar qualquer boa notícia da cimeira de Bratislava dos 27 que decorre a partir de hoje. Pelo contrário. Se as ideias em cima da mesa forem más — e vão ser — a UE pode sobreviver, mas mudar para pior.
Jean-Claude Juncker fez esta semana o seu discurso do “Estado da União Europeia” perante o Parlamento Europeu. Nele aparecem aqui e ali algumas ideias boas: da criação de um corpo de solidariedade humanitária para jovens europeus ao investimento na internet sem-fios gratuita nos centros das cidades e vilas europeias e até ao reafirmar da interpretação política das regras de estabilidade que possibilitou o cancelamento de sanções a Portugal e a Espanha.
O problema é que as más ideias que lá se encontram — na construção e reforço de uma Europa mais militarizada e securitária e em alguns aspectos do aprofundamento do mercado único — são possivelmente as únicas que encontrarão um consenso entre os 27 governos em Bratislava, e portanto as únicas que talvez consigam sobreviver a este processo de seleção perversa.
E no entanto, porém, contudo. Há algo que mudou com o Brexit e que poderia ajudar-nos a sair da espiral descendente. Com a sua fina análise, foi Wolfgang Schäuble o primeiro a notá-lo: com a saída do Reino Unido da UE, o sistema de votações no Conselho sairá automaticamente modificado, dando aos países do Sul da UE a ferramenta mais poderosa na política europeia — uma minoria de bloqueio.
Espero que após o encontro de Atenas estes países se tenham decidido a brandir essa minoria de bloqueio. Para dizer que sem Europa social não pode haver aprofundamento do mercado único. E que sem Democracia Europeia não se podem dar passos em questões de segurança e cooperação militar.
Acreditar que a UE vai morrer e que portanto não é preciso lutar para a mudar é provavelmente o pior erro político de uma parte da esquerda europeia. Tal crença levar-nos-ia a abandonar o poder que temos e a alienar uma geração inteira de jovens europeus, atirando-os para uma União que sobrevive principalmente nas suas piores formas. Para mudar a UE para melhor é preciso perceber as razões da sua sobrevivência. Apostar na sua morte é somente garantir a mudança para pior.