2015 foi um ano de "declínio profundo" da liberdade de imprensa no mundo
Pela primeira vez, América Latina ficou atrás de África no índice dos Repórteres Sem Fronteiras. Organização denúncia "paranóia" de muitos governos contra o jornalismo independente.
Há poucas boas notícias no índice de liberdade de imprensa divulgado nesta quarta-feira pelos Repórteres Sem Fronteiras (RSF). Por todo o mundo, há jornalistas mortos, presos, acusados, intimidados e pressionados por governos e interesses económicos, cada vez mais apostados em silenciar vozes críticas e assumir o controlo da informação, num retrocesso a que nem a Europa escapa.
“É tristemente claro que muitos dos líderes mundiais estão a desenvolver uma forma de paranóia em relação ao jornalismo legítimo”, receosos do debate que a imprensa livre promove, lamentou Christophe Deloire, secretário-geral da organização, ao dar conta de “um declínio profundo e preocupante” da liberdade de imprensa a nível mundial durante o último ano.
São muitos os maus exemplos na lista de 180 países analisados pela organização no seu relatório anual e que volta a colocar a China (176.º), Síria, Turquemenistão, Coreia do Norte e Eritreia (180.º) nos últimos lugares da classificação – nações “onde exercer jornalismo é sinónimo de bravura.”
Uma constatação que é também cada vez mais verdadeira em boa parte da América, a região que regista a maior queda no índice de liberdade de imprensa e é pela primeira vez ultrapassada por África, apesar das guerras, dos conflitos sectários e das ditaduras que o afligem o continente, que surge em segundo lugar atrás da Europa. De novo, o lugar do fundo volta a ser ocupado pelo Médio Oriente e Norte de África, “a região onde os jornalistas estão mais sujeitos a constrangimentos de todo o tipo”. A Tunísia, único exemplo de sucesso das primaveras árabes, é a grande excepção, subindo 30 posições (96.ª) graças "à consolidação dos efeitos positivos da revolução" de 2011.
O relatório sublinha a acentuada descida de El Salvador (13 posições para o 68.º lugar), um país “carcomido pela violência dos cartéis” e onde o Presidente ataca a imprensa, acusando-a de promover “uma campanha de terror psicológico” contra o seu Governo. Mas lembra também os homicídios de jornalistas no México (149.º), “a violência institucionalizada” na Venezuela (139ª), o crime organizado na Colômbia e na maior parte dos países da América Central, a corrupção no Brasil, os monopólios de imprensa na Argentina e a cibervigilância nos EUA como “os principais obstáculos” à liberdade de informação no continente.
Na lista há “os suspeitos do costume” – de Cuba (171.º) à Rússia (148.º), que sobe quatro posições apenas “devido ao declínio a nível mundial”, uma vez que “as autoridades estão a aumentar a pressão sobre o jornalismo independente”. Há também uma denúncia clara das “crescentes tendências autocráticas” em países como o Egipto, onde o antigo general Abdel Fatah al-Sissi é agora rei e senhor, e da Turquia (151.º), onde em 2015 se assistiu a acentuada deterioração da liberdade de imprensa, com o Governo de Recep Tayyip Erdogan a presidir a um “ataque maciço contra meios de comunicação social” a pretexto da luta contra o terrorismo, que inclui a tomada de jornais e a detenção de jornalistas.
Mas há também dedos apontados a países até há pouco insuspeitos e o exemplo mais claro é a Polónia, onde o governo ultraconservador do Partido Direito e Justiça (PiS) aprovou em 2015 uma lei que lhe dá total controlo sobre a nomeação e afastamento dos directores da rádio e televisão pública – decisão que lhe valeu uma “espectacular queda” de 18 posições, para o 47.º lugar no índice do RSF. Exemplos de um autoritarismo que cresce também na Hungria.
Mas no relatório, os RSF criticam ainda a excessiva concentração da propriedade dos media em alguns países da Europa, caso de França, lembrando que o reforço dos monopólios constitui “uma ameaça para o jornalismo independente” e “ameaça o modelo europeu” de liberdade de informação. “Hoje em dia é cada vez mais fácil a todos os poderes dirigirem-se directamente ao público graças às novas tecnologias”, afirma Deloire, assumindo que nesta “nova era da propaganda” os “jornalistas são cada vez mais vistos como desmancha-prazeres.”