Revolução tecnológica no Báltico
Nove anos após a declaração da sua independência, a Estónia continua a eleger como prioridades a adesão à UE e à NATO. Promete que no início de 2003 está pronta para se juntar ao Clube dos Quinze. Mas, para Bruxelas, a adesão deste pequeno Estado também significa a herança de um conjunto de problemas. Caso da delicada questão das "minorias nacionais".
Numa rua da cidade de Pärnu, sudeste da Estónia, frente a um edifício onde funcionou até 1991 a sede local do Partido e das Juventudes Comunistas, ergue-se uma estátua em bronze de Lenine. Está decapitada, a cabeça foi substituída por um sinal luminoso de plástico alaranjado, aceso dia e noite, e a sua mão direita também se sumiu. Numa placa, situada na base do monumento, a frase "Adeus Século XX".O estado desta estátua pode revelar alguma dose de injustiça para com o líder de uma revolução que em 1920, e após uma "guerra de libertação", acabou por conceder a independência aos países do Báltico, à Estónia e aos seus vizinhos da Letónia e Lituânia, após mais de 300 anos de ocupação imperial da Rússia czarista. Mas a independência, no caso dos estónios a primeira da sua conturbada história, foi efémera. Em 1940, na sequência do "Pacto de não-agressão" firmado um ano antes por Hilter e Estaline, estes três países voltavam a ser controlados por Moscovo. No início deste novo século, e como indica a placa colocada na estátua decapitada de Lenine, a Estónia quer evitar a repetição de dolorosas memórias. Por isso, após a sua segunda independência de 1991, elegeu como prioridades imediatas a adesão à União Europeia (UE) e à NATO, e meteu mãos à obra. "Queremos cumprir o nosso sonho, viver bem, e trabalhamos muito para isso", refere o primeiro-ministro Mart Laar, 40 anos, durante um encontro com jornalistas portugueses, que se deslocaram durante cinco dias à Estónia a convite do ministério dos Negócios Estrangeiros. O jovem dirigente da jovem nação garante o cumprimento, nos dois próximos anos, de todos os critérios exigidos por Bruxelas, na esperança da admissão no grande clube europeu em 1 de Janeiro de 2002. A adesão à NATO é outro dos objectivos. "A NATO não é uma organização militar, é uma organização de defesa. A Rússia compreenderá... Nunca sabemos o que pode acontecer nesse país", justifica Mart Laar, numa referência ao grande vizinho. Para o jovem chefe do Governo, a política de "neutralidade", nomeadamente perfilhada pelos seus "irmãos" finlandeses, não resultou na Estónia. Para atingir os critérios para a adesão, e apesar de um cepticismo latente sobre as suas consequências, incluindo entre os dirigentes políticos, a Estónia protagonizou o mais rápido crescimento e a mais sofisticada revolução tecnológica dos Estados do Leste. As características escandinavas deste povo, onde o trabalho árduo se alia ao desejo da prosperidade e da segurança, e a uma muito particular capacidade de adaptação, contribuíram para a actual vaga de sucesso. Os principais sectores da economia, as repartições, as escolas, o próprio conselho de ministros, onde o papel quase já não existe, estão informatizados e equipados com tecnologia de ponta. Jovens homens e mulheres, entre os 20 e os 40 anos, assumiram cargos de elevada responsabilidade no Governo, nas empresas, nos media. O Estado praticamente não intervém como agente regulador e as privatizações, o investimento de capital estrangeiro, prosseguem a ritmo acelerado. A ascensão desta "nova guarda", que hoje domina a língua inglesa e esqueceu o russo, pode motivar mesmo algumas apreensões. Caso da recente nomeação de um jovem de 28 anos para presidente do respeitável Tribunal Constitucional. Esta "geração sem memória" - o actual primeiro-ministro já ocupou o mesmo posto nos inícios da década de 90, aos 31 anos de idade - também sabe que a conjuntura é favorável. Apesar de em 1998, e por influência directa da crise na Rússia, o PIB ter registado -1,1 por cento na taxa de crescimento anual. Uma tendência de imediato contrariada durante este ano. Mas existem problemas por resolver. O desmantelamento das antigas unidades colectivas de produção, de estilo soviético, e o encerramento de grandes fábricas implicou uma taxa de desemprego que atinge 14,8 por cento da população activa. Os sindicatos estão desactivados ou não possuem poder reivindicativo, o salário médio situa-se nas 4300 coroas estónias (EEK), pouco mais de 50 contos, e a importante minoria russa considera-se descriminada. Duas Estónias passaram a conviver lado a lado, perante a indiferença do ultra-liberalismo triunfante.Mesmo que não seja convidada a integrar a UE no início de 2003, a Estónia sabe que estará preparada. A decisão será transferida para "os outros", para Bruxelas, que possui a decisão final. E herda um problema. Sondagens recentes são reveladoras do cepticismo face à integração na UE, apesar de o primeiro-ministro estar convencido que no referendo crucial o "sim" obterá a maioria. Neste aspecto, a adesão à Aliança Atlântica surge como mais consensual. Solitário, o pequeno Estado do Báltico que ao impor o estónio como língua oficial relegou o russo para uma posição muito secundária, que decidiu em 1992 criar a sua própria moeda, mesmo contrariando as recomendações do FMI, indexada ao marco alemão, vai prosseguindo no seu caminho. O Parlamento, dominado pelos três partidos da coligação governamental de centro-direira, aprovou uma draconiana lei "anti-tabaco". A última grande privatização concentrou-se nas principais centrais de energia eléctrica e permitiu que a norte-americana "NRG Energy" adquirisse 49 por cento do seu capital, mas com maioria no conselho de administração. Um negócio definido como "muito obscuro" por observadores internos, e que "obriga" a Estónia a adquirir energia a esta nova empresa durante os próximos 15 anos. No canal 2 da televisão foi também injectado capital dos EUA. A "revolução cantante" (Singing revolution), como ficou conhecido o processo pacífico que garantiu a segunda independência da Estónia, continua em marcha. Hoje, com mais apreensões e dúvidas, num mundo cada vez mais competitivo. Neste pequeno Estado do Báltico, a opção da transformação "radical" foi assumida quase até às últimas consequências. Agora, já não é possível retroceder.