Extrema-direita pode hastear em Barking a sua primeira bandeira
Edifícios envelhecidos, terrenos baldios e fábricas ao abandono desfilam à medida que o comboio se aproxima da cidade. A carruagem segue quase vazia e na estação sai apenas um punhado de pessoas, todas de origem africana ou asiática. A placa na estação indica Barking, em tempos parte de um dos principais pólos industriais da cintura londrina, hoje um dos seus mais pobres subúrbios. Terreno fértil para o Partido Nacional Britânico (BNP, extrema-direita), que aqui pode conseguir quinta-feira a sua primeira grande vitória.
"Estamos no topo ou próximo do topo em quase todos os maus índices - criminalidade, famílias monoparentais, habitação...", diz ao PÚBLICO Dominic Carman, o candidato dos liberais-democratas depois de uma manhã a contactar eleitores no mercado local, onde frutas e legumes se vendem lado a lado com carpetes orientais e vestuário. Há quem tenha tempo para uma conversa, mas a maioria afasta-se e há quem não esconda o desagrado com os políticos. "Não voto em nenhum de vocês", atira um transeunte.
Barking foi durante 60 anos um círculo eleitoral seguro para os trabalhistas, dominantes numa região operária que cresceu à volta da fábrica da Ford, na cidade vizinha de Dagenham.
"Foi a fábrica que unificou" as duas localidades, hoje parte do mesmo município, e era ela a fonte de rendimento da maioria das famílias, explica Carman. "Os homens tinham ali emprego certo para a vida. Não tinham qualificações porque não precisavam delas." No topo da actividade, nos anos de 1960, chegaram a ser 40 mil os que trabalhavam na unidade e nos fornecedores instalados na área.
"Mas, nos anos 80, o mundo mudou e o Reino Unido mudou ainda mais", diz o candidato. A globalização abriu novos mercados, mas minou a indústria britânica. Após anos de definhamento, a Ford de Dagenham encerrou a linha de montagem em 2002. Hoje mantém uma pequena unidade de produção de motores diesel que dá emprego a pouco mais de quatro mil operários.
O declínio industrial gerou o habitual ciclo de depressão na zona: indústrias e comércios que forneciam serviços à fábrica encerraram, a taxa de emprego disparou (abeira-se hoje dos dez por cento, três pontos acima da média nacional) e com ela agravaram-se os problemas sociais.
Na rua principal e à saída da estação, as lojas de penhores florescem, exibindo nas montras a prata e o ouro de quem falhou as prestações. Um quarto da população em idade activa não tem qualificações formais (quase o dobro da média nacional, segundo a Economist) e há uma elevada percentagem de famílias dependentes dos apoios sociais.
Uma realidade idêntica à de centenas de antigos núcleos operários na Europa. Mas em Barking há um caldo particularmente explosivo, que a extrema-direita britânica tem vindo a explorar.
Imigração em alta
O subúrbio, a meia hora de distância do centro de Londres, tem a habitação mais barata da área metropolitana, atraindo imigrantes recém-chegados ao país ou vindos de outras zonas da capital. Em 2001, quando foi realizado o último censo, apenas 14 por cento da população pertencia a uma minoria étnica, hoje as estimativas apontam para mais de 25 por cento. Um rápido crescimento que alimenta desconfianças, mas também competição pelos bens escassos.
"O meu filho quis uma casa e não a teve. Esta gente chega aqui e recebe tudo", queixa-se um idoso abordado na rua. Um discurso repetido vezes sem conta, mesmo entre os estrangeiros que estão há mais tempo no país. "As pessoas não conseguem casas", diz um residente de origem romena quando Carman lhe pergunta qual é a sua principal preocupação.
O terreno é favorável ao BNP, que ali conseguiu nas legislativas de 2005 o seu melhor resultado de sempre (17 por cento). Nas eleições locais do ano seguinte, elegeu 12 dos 51 conselheiros locais, transformando-se na principal força da oposição em Barking e Dagenham.
Nick Griffin, o líder do partido, é o candidato em Barking, mas é a presidência do conselho municipal (desta vez disputada em simultâneo com as legislativas) que a extrema-direita mais ambiciona - seria a primeira bandeira do BNP hasteada num town hall britânico. O partido está bem implantado em vários bairros e, se ganhar, promete "expulsar os imigrantes das casas municipais para blocos de apartamentos".
"É preciso parar a imigração. É só olhar para a rua. Está a ver algum branco?", pergunta Eli Emin, dono de um restaurante numa rua lateral ao mercado. Emin vive numa localidade vizinha e vai votar nos conservadores, mas diz ao PÚBLICO não ter medo dos conflitos raciais que a vitória do BNP possa gerar. E acrescenta: "Será uma boa maneira de mostrar ao Governo a revolta das pessoas."
Carman, autor de uma biografia não autorizada sobre Griffin, repudia o que chama "falácia da causa única". "Todas as políticas deles partem da imigração. Dizem às pessoas que é ela a culpada pela falta de casas, pelo aumento do crime, por haver falta de lugares nas escolas para as crianças".
O candidato dos lib-dem acredita que a maioria dos que estão inclinados a votar no BNP "não é racista". "A sua principal preocupação é a falta de habitação" e isso, diz, "é culpa dos últimos governos, que falharam dramaticamente na política de habitação". Quase metade das 45 mil casas municipais construídas na área após a I Guerra Mundial foi vendida ao abrigo do programa "direito a comprar", criado por Margaret Thatcher para incentivar os inquilinos a tornarem-se proprietários. E os governos do Labour desinvestiram no sector, privilegiando a habitação privada.
"Há um sentimento de competição por bens escassos", admitiu à Time John Crudas, deputado trabalhista por Dagenhan, que considera urgente construir novas casas municipais.
O deputado, principal voz da ala esquerda do Labour, é popular na zona e o seu lugar em Westminster não parece em causa, mas o mesmo não acontece com Margaret Hodge, eleita por Barking. "Ela não fez nada por nós, nem sequer cá vem", queixa-se uma moradora a quem Carman pergunta a opinião. "O meu pai votou toda a vida no Labour", responde outra que, "por ser uma senhora", não diz o que pensa da deputada. Não lhe passa pela cabeça votar no BNP, mas admite que na quinta-feira poderá abster-se.
É contra a abstenção - "o maior inimigo da democracia" - que Carman luta nas ruas. "Votem, vocês não vão querer o BNP ali", diz, apontando para a sede do município, ainda que essa não seja a sua luta. Sobre a sua própria candidatura não faz prognósticos, diz que concorre antes de mais para dar aos descontentes com o Labour "outra opção que não seja o BNP". Porque, se a extrema-direita vencer, "Barking será um lugar infame".