Quando em Março o serviço de medicina interna do Hospital Curry Cabral se converteu num “serviço covid”, a transformação exigiu dos profissionais da linha da frente que mudassem procedimentos e regras. E que não recuassem perante o medo do desconhecido.

A vida parou para os médicos, os enfermeiros, os auxiliares de acção médica e técnicos, os fisioterapeutas e auxiliares da limpeza. Ou eles pararam no tempo. “Foi desafiante e gratificante, como também frustrante” para quem, como diz o médico André Almeida, sentiu “estar sempre a correr atrás do prejuízo”. Houve que “mergulhar numa pesquisa infindável para descobrir o que poderíamos prever do doente e antecipar as complicações”.

Mudou a forma de encarar a profissão, mudou o olhar sobre o doente. “Mudará a forma como olhamos para o planeta”, diz a enfermeira Sílvia Ferreira. “Eu acredito que só nos acontecem coisas na vida se soubermos lidar com elas.”

Cuidar passou a ser também enfrentar o “inimigo invisível”. O internamento nunca foi tão solitário para o doente. “Eles já vivem num mundo de receios, de muitas dúvidas, de como será o amanhã”, diz a enfermeira Helena Besugo. E agora também num interminável isolamento. Ouvem quem entra no quarto e conversa como eles “porque eles merecem”, diz a técnica de limpeza hospitalar Dina Almeida, mas apenas os conhecem através de uma máscara e só os reconhecem através dos nomes, se dos seus nomes se lembrarem.

Há quem depois de longas semanas a recuperar escreva de casa a agradecer. Como Santos Pinto, que pensou que não sairia dos cuidados intensivos, por ser penoso e impossível que “a felicidade são momentos”.

A felicidade não se alcança com aquela “busca incessante de ter sempre mais e mais”, aprendeu a enfermeira Helena Besugo. Ganharam-se valores, como a solidariedade e o respeito pelo outro, acrescenta a colega Filipa Miranda.

Entre os profissionais na linha da frente do Curry Cabral, há os que sofrem com a incerteza e a ansiedade, o distanciamento, para os proteger, de filhos, pais, maridos, mulheres, crianças, idosos e pessoas de risco; e os que carregam no rosto as marcas dos turnos longos, das noites de insónia e da gravidade daquilo que impede o contacto e torna o gesto distante.

“Uma das piores coisas é a ausência de visitas”, diz o médico Nuno Lopes. E uma das mais difíceis é a barreira física entre quem cuida e quem é cuidado. “Ninguém está preparado para isto.”

Nuno Lopes

Médico

“Houve necessidade de reorganizar todo o hospital, e o espírito de missão que se criou entre os profissionais de saúde pode ser uma coisa boa. Uma das piores coisas é a ausência de visitas. Os doentes estão em estado grave e ter uma visita é sempre uma motivação.”

Sílvia Ferreira

Enfermeira

“Eu acredito que só nos acontecem coisas na vida se soubermos lidar com elas. Nós todos temos de olhar para isto como uma aprendizagem.”

Helena Besugo

Enfermeira

“Este é um momento único de superação, de resistência, de resiliência. De futuro, haverá uma valorização das pequenas coisas. Estamos a aprender que, com pouco, se pode atingir a felicidade.”

André Almeida

Médico

“Só um SNS capaz e robusto é capaz de responder a uma crise destas. O facto de estar tão descapacitado pela redução dos recursos humanos e materiais deixou-nos vulneráveis e muito menos capazes para fazer face à realidade das doenças ‘não-covid’. Não há futuro com saúde sem um SNS saudável.”

Joana Chaves

Enfermeira

“Tenho saudades do contacto mais próximo com o doente. Através desses movimentos transmitíamos-lhes empatia, segurança e eles ficavam mais tranquilos. Apesar destes receios, conseguimos manter o cerne da enfermagem.”

Maria Inês Pereira

Enfermeira-chefe

“Tomámos consciência de que precisamos todos uns dos outros. A consciência do bem comum em detrimento do bem individual é fundamental. O trabalho de equipa nunca foi tão importante como agora.”

Lurdes Santy

Auxiliar de acção médica

“Esta crise fez-nos ver a vida com outros olhos. A normalidade não vai voltar. Na actividade, tivemos de adaptar o serviço inteiro para recebermos este tipo de doentes. Na vida, o vírus obrigou-nos a parar.”

Vítor Silva

Enfermeiro

“Preferia que as pessoas não viessem bater palmas para a varanda mas que, quando isto terminar, viessem para a rua apoiar-nos quando precisamos de apoio. Em vez disso, chamam-nos selvagens. Não somos heróis. Trabalhamos com estas situações e não é só de agora.”

Dina Almeida

Técnica de limpezas hospitalares

“É uma luta muito grande. Não tem nada que ver com a medicina normal. Temos muito medo de falhar. Por exemplo, ao despir o doente. Sou uma pessoa de risco, mas não parei. Quero estar ao lado das enfermeiras.”

Patrícia Rosa

Enfermeira

“Não tivemos de passar pela fase de ver imensas pessoas pelo corredor e de ter de escolher quem vive. Mas nada é como antes. E sinto isto como um vazio, uma incerteza. Ir trabalhar diminui a ansiedade. Em casa tenho um sentimento de inutilidade brutal.”

Dina Ribeiro

Auxiliar de limpeza

“Nós entramos uma vez por dia nos quartos para fazer a limpeza e o que for preciso. As auxiliares de acção médica e as enfermeiras estão mais chegadas a nós do que antes de isto acontecer, e mais atenciosas com toda a gente.”

Inês Rodrigues

Enfermeira

“Quando 2020 começou, pensei que ia ser um ano marcante pela positiva. Não está a ser. Mas isto veio reforçar os laços entre todos os colegas. Vemos os médicos fazer tudo, desde tratar o doente a esvaziar o cesto do lixo.”

António Panarra

Médico e coordenador de medicina interna

“Houve uma reacção emocional, sim, mas também racional dos profissionais. As pessoas estiveram muito à altura dos desafios. Criar formas de nos organizarmos foi muito pesado, mas conseguimos fazê-lo com alguma rapidez. E são os frutos disso que estamos a ver agora.”

Ana Castro

Enfermeira

“O mais importante é mantermos o espírito de equipa, e essa é uma lição que podemos levar daqui para a frente. Não podemos fazer nada sozinhos. Temos de confiar uns nos outros.”

Alexandra Seara

Enfermeira

“Entramos nos quartos menos vezes mas estamos mais tempo com os doentes. Aproveitamos para nos apresentarmos, dizemos o nosso nome, quem somos, o que nem sempre fazíamos antes de isto acontecer.”

Filipa Miranda

Enfermeira

“Temos muitos altos e baixos. Espero que os valores permaneçam depois de isto passar: o altruísmo, a solidariedade, o respeito pelo outro.”