Foto-montagem sobre fotografia de Konstantin Planinsk - unsplash.com

As salas de consumo assistido de drogas já existem desde 1986 na Europa, mas só este ano foi anunciada a sua chegada a Portugal: em Abril, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) informou que iriam ser abertas três “salas de chuto” até ao início do próximo ano. Na capital estão identificadas pelo menos 1600 pessoas que podem vir a beneficiar destas estruturas (que são de saúde e de resposta social, realçam os responsáveis), mas os números podem ser bem maiores. Em todo o país, existem ao todo mais de 60 mil consumidores de drogas de alto risco, segundo os dados mais recentes disponíveis no Relatório Europeu sobre Drogas de 2018, divulgado esta quinta-feira.

Ainda que a cannabis seja a droga mais consumida a nível europeu , os opiáceos – drogas obtidas a partir do ópio, onde está incluída a heroína – são os que mais preocupam, por terem a taxa mais alta de mortes por overdose, assim como uma elevada taxa de dependência e um grande impacto negativo na saúde dos toxicodependentes. São, por isso, consideradas drogas “de alto risco” e o seu consumo deve ser vigiado nestas salas, dando “condições às pessoas para que, enquanto não conseguem parar, utilizem as drogas com dignidade e com menos risco”, resume o presidente do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências (SICAD), João Goulão.

De todos os consumidores de drogas de alto risco em Portugal, quase metade tomam opiáceos.

Quem são os utilizadores de drogas de alto risco em Portugal?

O consumo de opiáceos pode ser feito de forma fumada ou injectada – nas salas de consumo vigiado serão permitidos os dois –, e é o uso de drogas injectáveis que está associado a um maior risco de problemas de saúde e transmissão de infecções.

Consumo de opiáceos em Portugal (dos 15 aos 74 anos)

A grande maioria dos consumidores de opiáceos é do sexo masculino


Quem consumiu…





Onde há mais consumidores de drogas de alto risco na Europa?

Portugal vs Europa, consumidores por mil habitantes

O que são as salas de consumo assistido?

As salas de consumo assistido são espaços onde os toxicodependentes podem consumir drogas ilícitas, levadas pelos próprios, com a supervisão de pessoal qualificado que poderá intervir em caso de sobredosagem. Como resume João Goulão, estas salas oferecem condições de saúde e higiene e são, “sobretudo, uma questão de saúde pública. Pretende-se evitar novas infecções, evitar mortes por overdose e aproximar as pessoas às estruturas de saúde .”

“Isto são equipamentos de saúde, mas também de resposta social”, afiança de igual modo o vereador bloquista dos Direitos Sociais da Câmara de Lisboa, Ricardo Robles. “O objectivo primeiro é dar condições, para as pessoas que consomem na rua sem condições e com perigo para a sua saúde e para a dos outros, que lidam com esta realidade à porta de suas casas.”


Que localizações estão já escolhidas?

O vereador dos Direitos Sociais da Câmara de Lisboa, Ricardo Robles, diz ao PÚBLICO que a sala de consumo móvel deverá entrar em funcionamento “antes do final do ano”. As outras duas deverão entrar em actividade no início de 2019.

Principais valências

“Isto é uma porta de entrada na cidadania”, admite Ricardo Robles, sublinhando a importância desta resposta social. “Há pessoas que não têm os seus documentos, o seu número de segurança social, fiscal, até o próprio bilhete de identidade. Ou seja: estão excluídas da cidadania”, refere. João Goulão corrobora que as salas de consumo assistido permitem que os toxicodependentes “reconquistem os seus instrumentos de cidadania”.

Uma sala de consumo assistido em Lausanne, na Suíça
[Denis Balibouse/REUTERS]

Que recursos técnicos serão alocados a cada sala?

“Aquilo que se pretende com mais este dispositivo é aumentar a proximidade e chegar a franjas mais desorganizadas da população utilizadora de drogas, ganhar a sua confiança e cativá-los para os aproximar aos serviços de saúde”, diz João Goulão ressalvando que este sistema “não pretende substituir nenhuma das respostas de que já dispomos actualmente”.

Há 17 anos que as salas de consumo vigiado estão contempladas na legislação portuguesa (Decreto-Lei n.º 183/2001), mas a descida do número de consumidores por via injectável e a falta de abertura política inviabilizaram-nas. Agora, voltam a fazer sentido, por existir “um grupo muito significativo de cidadãos que têm circunstâncias degradantes de utilização de drogas”, refere o presidente do SICAD. De acordo com a lei, as estruturas devem estar instaladas junto a locais de consumo e não em centros residenciais consolidados.

A experiência dos outros países

As salas de consumo assistido que existem pela Europa (e também na Austrália e no Canadá) servem de exemplo para Portugal, que consegue através das suas experiências avaliar a forma como funcionam, assim como a sua eficácia. Como é referido no Relatório Europeu sobre Drogas deste ano, há um conjunto de vantagens identificadas nas salas internacionais, sobretudo no que toca à redução de mortes por overdose e de transmissão de infecções.

Salas de consumo a nível mundial (quase todas na Europa)

As salas de consumo assistido entraram em funcionamento há mais de três décadas e hoje existem em oito países europeus: Espanha, França, Alemanha, Luxemburgo, Holanda, Suíça, Noruega e Dinamarca; a Holanda é o país com mais estruturas deste género. Carregue nos botões “Total”, “Europa”, e “Holanda” para ver a distribuição das salas de consumo pelos países europeus.

Com base nos diagnósticos feitos na capital e na experiência internacional, tanto Ricardo Robles como João Goulão são peremptórios ao afirmar que estas salas “não têm desvantagens identificadas”. E os próprios moradores sentem a necessidade de uma resposta: “quem vive com o consumo injectável, à porta da sua casa, junto ao seu carro estacionado no passeio, percebe que há ali um problema para o qual ainda não foram dadas as respostas necessárias”, afirma Robles. “As crianças convivem diariamente com esta realidade e não têm de o fazer.”

Uma sala de consumo assistido em Paris, França
[Patrick Kovarik/REUTERS]


Em Barcelona existem sete salas de consumo assistido.