Faz anos hoje? Está longe de ser o único
Apesar de ser um momento único para os pais e para o bebé, o aniversário é um dia que, sem que nos apercebamos, é partilhado com muitas outras pessoas em todo o mundo. Em Portugal, quem nasce em Setembro partilha mais o “seu” dia do que quem nasce nos outros meses. Entre 1980 e 2017 foi a 16 de Setembro que mais gente nasceu. Quão único é o seu aniversário?
Em que dia nasceu?
Quem nasceu em Setembro entre 1980 e 2017 tem maior probabilidade de partilhar o seu aniversário com outra pessoa nascida em Portugal nos últimos 37 anos. Porquê? Somados todos os nascimentos em cada mês, é Setembro que fica na frente. O dia 16 ocupa o primeiro lugar da lista. Seguem-se os dias 20, 17, 23, 25, 24, 15, 21, 22 e 19 de Setembro.
Por outro lado, quem nasceu a 29 de Fevereiro — por razões óbvias tendo em conta que é um dia que só ocorre de quatro em quatro anos —, a 25 e a 24 de Dezembro e a 1 de Janeiro, terá mais dificuldade em encontrar alguém com que partilhe a mesma data de aniversário. Os dados do Instituto Nacional de Estatística referem-se à “informação registada nas Conservatórias de Registo Civil, decorrente dos dados constantes dos assentos de nascimento e de informação adicional prestada pelo declarante”, explica o instituto.
Variação diária do número de nascimentos
Para perceber o que explica o fenómeno que leva os bebés a nascer mais numa altura do ano do que noutra e, em particular, aquilo que faz de Setembro o mês mais popular, é preciso pensar sobre o que acontece nove meses antes. João Bernardes, professor na Faculdade de Medicina do Porto e Presidente do Colégio da Especialidade de Ginecologia/Obstetrícia da Ordem dos Médicos, explica que o fenómeno “tem a ver com as nossas características geográficas e sócio-demográficas”.
“Quer dizer que no Hemisfério Norte, num clima semelhante ao nosso, com os ritmos sociais que temos, com o hábito de ter uma festa de Natal no Inverno e estarmos mais recolhidos por essa altura, a concepção decorre mais durante esses meses”, detalha. Além disso, “há menos luminosidade, as noites são mais longas e as pessoas estão mais tempo juntas”. O fenómeno, diz, não é de agora. “Já é assim desde a Antiguidade.”
Além disso, também é uma questão biológica, explica o médico obstetra e professor. É algo que também acontece com outros primatas.
Um artigo do jornal The New York Times, de 2006, já mostrava que, nos Estados Unidos, o dia 16 de Setembro também era o mais popular. Na altura, os jornalistas analisaram os números entre 1973 e 1999. Um trabalho mais recente de recolha de dados da publicação online Five Thirty Eight também revelava que os dez dias mais comuns para nascer nos EUA eram todos entre 9 e 20 de Setembro, tornando-o no mês mais popular.
Mas há mais sexo nesta altura do ano? Não é fácil de saber. Certo é que a “actividade conceptiva” — em que há intenção de conceber um bebé — é mais intensa pelo Inverno, diz João Bernardes.
Além disso, “também parece que a altura do Verão é uma época propícia para o bebé enfrentar o desafio do parto”. Algo que, explica João Bernardes, “tem a ver as condições da natureza, uma vez que é a altura em que há mais alimento, há menos frio e, portanto, em que há melhores condições biológicas, de alimentação, climáticas e sociológicas”.
Feriados e fins de semana
Na sua tese de doutoramento, Sónia Cardoso Pintassilgo, socióloga e professora no ISCTE, analisou a forma como os nascimentos se distribuem ao longo da semana e a relação do fenómeno com a medicalização do parto. “Na verdade, se em 1990 já se revelava uma certa tendência de quebra do número de nascimentos ao fim-de-semana e, sobretudo, ao domingo, em 2010 não há margem para dúvida de que esses dias registam uma frequência mínima de nascimentos face aos adjacentes e aos restantes. A existência de feriados ao fim-de-semana determina os picos mínimos de nascimento, como é o caso do dia 25 de Dezembro (dia de Natal) de 2010, sábado”, escrevia a investigadora na sua tese de 2014 intitulada "O Risco e as Condições Sociais e Assistenciais da Maternidade em Portugal".
613.278
651.928
660.913
648.711
636.919
575.192
517.362
“Esta deslocalização dos nascimentos para dias específicos da semana materializa a actual cultura obstétrica hospitalar sendo um indicador singular do ajustamento da mulher (e respectiva família) aos procedimentos instituídos e ritualizados, ‘despersonificando’ a parturiente e enquadrando-a num padrão cujos protagonistas são os profissionais de saúde”, detalhava a investigadora. “Os nascimentos, nesse contexto, perdem o carácter de acontecimentos únicos, tornando-se em mais um acontecimento da rotina hospitalar.”
Por sua vez, João Bernardes diz que o fenómeno se prende com o agendamento dos partos planeados “que rondam os 30%” para os dias úteis. “Tem a ver com o funcionamento dos hospitais e também com a vida social das pessoas. Ninguém quer ir para o hospital no dia de Natal nem no domingo. Mesmo que mudássemos as urgências hospitalares e ficasse tudo igual no fim-de-semana, as pessoas não iam querer lá ir.”
Mário Santos, investigador em sociologia da saúde e do nascimento e membro do Laboratório de Estudos Sociais sobre o Nascimento, também diz que o fenómeno reflecte a “medicalização” do parto. Ou seja, “um evento que era familiar e social passou a ser hospitalar”. Estes números mostram que o parto, por norma “imprevisível”, passa a ser agendado. Normalmente, “por questões práticas” que condicionam este evento.
“As mulheres estão privadas de experienciar o parto, porque é transformado numa intervenção cirúrgica”, diz Mário Santos. Além disso, usam-se intervenções que devem ser aplicadas quando há complicações no parto — como a cesariana ou a indução — e que “podem salvar vidas, em casos que são normais”.
Ao domingo, por exemplo, nascem, em média, menos 73 bebés do que à quarta-feira (o dia da semana mais concorrido). Mário Santos explica que pode ter a ver com o facto de as induções planeadas para o início da semana, por vezes, se prolongarem no tempo, provocando um “efeito cumulativo de pessoas em trabalho de parto” em meados da semana.
O fim-de-semana e os feriados são os dias com menos nascimentos. Além do Natal, dias como o 1 de Novembro e o 1 e o 8 de Dezembro estão entre aqueles em que se contabilizam menos nascimentos.
9674
11.065
11.632
11.153
11.182
11.437
10.671
10.971
10.886
8333
Número de nascimentos diminuiu
Nos últimos 37 anos, o número de nascimentos diminuiu para cerca de metade, passando de 158.329 para 86.498. Em termos médios, no início da década de média contava-se 432 nascimentos por dia. Em 2017 foram 236. Mesmo assim, o pior ano foi 2014, quando se registaram 82.613 nascimentos — uma média de 226 bebés. Desde 2009 que o número de crianças nascidas por ano está abaixo dos 100 mil.
Essa redução também não aconteceu da mesma forma em todos os períodos do ano. Apesar de, consistentemente, serem os meses de Inverno aqueles em que se registam menos nascimentos, foi Maio que perdeu mais bebés neste período — a redução foi quase para metade. Em Novembro, contudo, a diminuição foi mais moderada (menos 35%).
Apesar de os nascimentos terem diminuído consideravelmente entre 1980 e 2017 em todos os dias da semana, essa redução é menor na quarta-feira (menos 39%) do que ao sábado (menos 49%) e, especialmente, ao domingo (menos 53%). É nos dias úteis a meio da semana que a redução foi menor.
Por dia, a quebra foi mais acentuada a 15 de Janeiro, 7 de Maio, 1 de Janeiro e 24 de Dezembro. Nestes dias, em 2017, registaram-se menos dois terços dos nascimentos do que em 1980. No sentido inverso, a quebra foi menos acentuada a 23, 2 e 29 de Novembro — em média menos 19%.
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