Em Setembro de 2023, um perfil na plataforma X (antigo Twitter) iniciou um fórum semanal de conversas em áudio ao vivo. Nestes “debates”, como os descrevem os utilizadores que neles participam, os temas em discussão centram-se na imigração, na crítica à “maçonaria e sociedades secretas” e na defesa de valores “patriotas e nacionalistas”. O anfitrião destas conversas de domingo à noite é Mário Machado, que enfrenta agora um julgamento pelo crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, num processo que resulta de uma queixa apresentada na sequência de uma publicação, a 17 de Fevereiro de 2022, na mesma rede social.
O PÚBLICO ouviu mais de 20 horas deste fórum, que serviu também como promotor da marcha, do passado dia 3 de Fevereiro, “contra a islamização da Europa”. Nestas conversas públicas, cujo alcance ultrapassa em média os três mil ouvintes, partilham-se preocupações e anseios comuns, mas também linguagem violenta e mensagens xenófobas, muitas vezes dissimuladas e assentes em estratégias retóricas como a ironia, metáforas e alegado humor. O conteúdo das mensagens varia, mas há uma ideia que paira nestes fóruns e é repetida vezes sem conta.
Não se esqueçam que tudo o que poderá ser dito aqui neste fórum, neste debate, poderá ser usado contra nós, através do artigo 240 [do Código Penal] que prevê penas entre 1 a 5 anos para quem disser algo que o sistema não concorde. E englobamos nisto a discriminação racial, sexual, religiosa, entre outras. Portanto, qualquer frase que para estas pessoas seja considerada ofensiva, eles podem retirar do contexto e moverem-vos um processo. Portanto, aconselho sempre a todos o máximo de cuidado possível.”
Esta preocupação é uma constante. Mas é mesmo assim? Qualquer insulto ou referência ofensiva configura discurso de ódio e pode ser criminalizada? A resposta é “não”. A delimitação da fronteira não é ainda consensual, mas há critérios que podem ajudar a estabelecer uma definição. E um primeiro ponto passa, precisamente, por reconhecer que este “é um fenómeno complexo e que não há um, mas antes múltiplos discursos de ódio”, defende Rita Guerra, coordenadora do projecto Knowing Online Hate Speech (kNOwHATE), financiado pela União Europeia, ao abrigo do programa Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores.
“Não é possível combatermos uma coisa que não sabemos muito bem o que é. Para travar o discurso de ódio temos de entender o ódio. E esse é, em parte, o objectivo deste projecto”, esclarece a investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS) do Iscte.
Diferentes discursos de ódio
No projecto kNOwHATE foi feita uma distinção entre discurso de ódio directo e indirecto. Estas são as definições adoptadas em cada um dos casos.
Discurso de ódio directo
No discurso de ódio directo, o orador difunde, incita, promove ou justifica explicitamente o ódio, a exclusão e/ou a violência ou agressão contra um grupo-alvo ou membro desse grupo com base nas suas características identitárias ou percecionadas. Neste caso, a mensagem transmite frequentemente um discurso abertamente preconceituoso e inflamatório, podendo conter linguagem ofensiva, abusiva ou depreciativa.
Discurso de ódio indirecto
No discurso de ódio indirecto (subtil ou camuflado), o orador dissemina, incita, promove ou justifica o ódio, a exclusão e/ou a violência/agressão contra um grupo/pessoa alvo devido à sua pertença a um grupo, mas a mensagem não contém normalmente termos depreciativos ou insultuosos e o seu significado está implícito e tem de ser inferido.
Estas formulações utilizam normalmente uma diversidade de tácticas ou estratégias retóricas, incluindo o humor, a ironia, as analogias e as metáforas, os eufemismos e perguntas retóricas.
Para isso, uma equipa de investigadores do Iscte, Inesc-ID e da Associação do Instituto Superior Técnico para a Investigação e Desenvolvimento (IST-ID) analisou milhares de mensagens dirigidas a comunidades imigrantes, racializadas e LGBTI+, partilhadas no X (antigo Twitter) e YouTube. Os resultados preliminares desta investigação, que só deverá estar concluída em Agosto, apontam para uma maior prevalência do discurso de ódio indirecto, quando comparado com o directo. “O discurso de ódio mais velado representa mais do dobro da expressão em qualquer uma das plataformas. E é, claramente, o mais difícil de detectar”, avança Rita Guerra.
Apesar de camuflado, subtil e implícito, este discurso é preocupante e pode até ser mais danoso para os grupos-alvo. “Por estar mascarado, não deixa de ser discurso de ódio e, muitas vezes, perpetua estereótipos ou faz um apelo à acção contra uma determinada comunidade em particular”, diz Paula Carvalho, membro da equipa do kNOwHATE. Para a linguista e investigadora do Inesc-ID, “quando confrontadas com o discurso [de ódio] indirecto, as pessoas ficam muitas vezes desarmadas e não têm como responder”.
Eu até conheço pessoas pretas. E nós no Chega até temos um elemento, no partido Chega, que é o Dr. Gabriel Mithá Ribeiro, que eu tenho a maior consideração por ele. Ele é mestiço, até tem ascendentes árabes, muçulmanos e, no entanto, é um indivíduo totalmente válido e útil.
“O caso mais gritante é o do suposto elogio: ‘tu para cigana até…’”, exemplifica a investigadora, que coordenou também um outro projecto com foco neste tema – HATE-COVID-19.PT – e cujos resultados sugerem que “não só a manifestação do discurso de ódio varia em função das comunidades, como as próprias contra-narrativas, ou seja, o contra-discurso, pode ser mais ou menos prevalente em função da comunidade envolvida.”
Da amostra portuguesa de mais de 20 mil comentários no YouTube analisados neste estudo, a comunidade de etnia cigana é a mais visada pelo discurso de ódio e, na sua maioria, através do recurso a mensagens dissimuladas, frequentemente com toques de ironia, sarcasmo, suposto humor ou mesmo referências metafóricas.
“Estou a falar no sentido metafórico, não vá amanhã aparecer-me aí mais um processo.
…Porque se dizer que as mulheres deviam dedicar-se à prostituição leva o Ministério Público a abrir um processo…
…se calhar falar da roupa também é discriminação racial, dizer que eles se vestem mal ou que são pessoas feias.
…Se calhar também não podemos dizer isso. São todos muito bonitos. São lindos, lindos. Elas são lindas e eles são lindos senhor procurador.”
Imigração desperta mais ódio
Susana Salgado, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa), procurou também compreender as atitudes e comportamentos de utilizadores perante linguagem ofensiva e mensagens de ódio, num contexto online.
No âmbito do projecto HATE, foram recolhidas, durante um ano, entre 2019 e 2020, mensagens sobre imigração e desemprego publicadas em três plataformas digitais - Twitter, Reddit e sites de jornais – de seis países: Portugal, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos da América, Chile e Brasil.
A classificação dos mais de quatro milhões de itens da amostra sugere que alguns temas são mais propícios à expressão de ódio online. “De facto encontrámos mais ódio e mais incivilidade, de uma maneira geral, em mensagens sobre imigração”, revela a coordenadora do projecto, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Em Portugal, a prevalência de ódio foi de 18% em mensagens e comentários sobre imigração e de 11% em mensagens e comentários sobre desemprego. “Onde encontrámos mais ódio foi nas caixas de comentários de jornais, que supostamente são também plataformas moderadas”.
Nos últimos anos tem-se registado em Portugal uma expansão de movimentos anti-imigração e nas redes sociais cresce o número de mensagens anti-LGBTI+. Dos insultos e ofensas às ameaças mais ou menos explícitas, nem sempre é fácil destrinçar comentários inadequados e provocatórios de mensagens potencialmente danosas para as comunidades alvo dos ataques.
Numa tentativa de dar resposta a este desafio, a linguista Paula Carvalho esclarece quais os critérios adoptados no projecto kNOwHATE e aponta as principais estratégias discursivas e retóricas que caracterizam o discurso de ódio e que identificou também em várias mensagens partilhadas no fórum moderado por Mário Machado, na plataforma X.
Inversão de papéis
A inversão de papéis no discurso de ódio envolve uma reversão das dinâmicas de poder e uma manipulação da linguagem para obscurecer a realidade. O exogrupo (“os outros”) é apresentado como opressor, representando uma ameaça ao grupo interno (“nós”), que é apresentado como a vítima.
Negação do ódio
Estratégia de apresentação positiva do endogrupo (“nós”), em que o orador, ciente de que está a violar as normas sociais, protege o seu próprio discurso de acusações de ódio, negando-o, para mitigar a percepção de ódio e preservar a legitimidade do seu argumento.
Desumanização
A desumanização consiste em conceber o grupo-alvo como não-humanos. Esta estratégia afasta as considerações morais que se aplicam a outros seres humanos, facilitando a agressão contra o outro. É frequentemente materializada através do uso de comparações e metáforas que geralmente degradam o grupo externo visado ao estatuto de animais, objectos ou extraterrestres, etc.
Ameaça realista e ameaça simbólica
O “outro” é apresentado como uma ameaça realista, isto é, como uma ameaça efectiva à segurança, economia, recursos, etc. do endogrupo, ou ainda como uma ameaça simbólica ao sistema de crenças, valores, religião, ideologias, moralidade, pondo em causa a própria noção de identidade do endogrupo.
Apelo ao medo e apelo à acção
O apelo ao medo configura uma estratégia que não envolve uma ameaça explícita, mas um aviso de que algum resultado muito grave ocorrerá, se a audiência não realizar a acção sugerida. Já o apelo à acção envolve um apelo explícito ou implícito à acção para reverter o estado negativo das coisas, mantendo um tom emocionalmente carregado.
Recurso a figuras de estilo
A hipérbole é frequentemente usada no discurso de ódio para amplificar retratos negativos de indivíduos ou grupos-alvo. Ao empregar a hipérbole, os perpetradores do discurso de ódio visam intensificar emoções negativas, fomentar a animosidade e reforçar crenças preconceituosas sobre o grupo-alvo.
Nestas conversas surge também, diversas vezes, a apresentação do interveniente ou do grupo onde se insere como “salvador da pátria”. Paula Carvalho identificou ainda, nalgumas das mensagens deste fórum recolhidas pelo PÚBLICO, discurso conspiratório, caracterizado por “explicações alternativas para eventos, envolvendo a crença em acções secretas de pessoas ou grupos influentes que agem em função dos seus próprios interesses em detrimento do bem comum”.
Segundo a investigadora, o discurso neste fórum “exibe um conjunto de características linguísticas e discursivas que reforçam a radicalização e polarização social (nós vs. eles), a culpabilização e a demonização do outro”. Paula Carvalho identifica em várias das mensagens partilhadas “desinformação e discurso de ódio”.
“Isto é uma coisa difícil de falar, de argumentar. Eu com estas pessoas tenho muito ódio. E aqui o ódio é legítimo. Não estou a apelar para fazer seja o que for. Ainda existe o direito ao ódio e à indignação”
Discurso de ódio “não pode ser visto como crime de opinião”
A discussão sobre a criminalização do discurso de ódio, prevista no artigo 240.º do Código Penal, é antiga e arrasta invariavelmente a preocupação da redução da esfera de liberdade de expressão e acção política. “A radicalização da sociedade também existe a propósito da discussão deste crime. Ou nada é crime, ou tudo é crime. Ora, nem uma coisa, nem outra são aceitáveis”, defende o penalista Rui Patrício.
O professor convidado na Nova School of Law lembra que “o Direito penal é governado por uma ideia de proporcionalidade e de equilíbrio. Só deve, por isso, intervir relativamente àquilo que são situações graves. É o chamado ‘princípio da intervenção mínima’. Portanto, não é tudo crime. E, sobretudo estes casos, não podem ser vistos como crimes de opinião ou como crimes de discordância. Não é isso que está em causa”.
Se, por um lado, a banalização da via criminalizadora do discurso de ódio “dá razão àqueles que a acusam de representar uma forma de censura”, por outro lado, esclarece o antigo membro do Conselho Superior da Magistratura (CSM), “se embarcarmos no extremo oposto, em que tudo é permitido, a política e a liberdade de expressão consentem tudo, então estamos a desproteger de uma forma intolerável outros direitos fundamentais que também são importantes para a convivência entre todos”.
Uma convicção partilhada pelo docente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Nuno Igreja Matos. “Quem tem visões mais drásticas ou até mais extremadas sobre o que deve ser a sociedade, não deve ser excluído desse debate, se conseguir apresentar essas suas ideias de uma forma que possa ser vista como útil para o espaço público.”
Pelo contrário, defende Susana Salgado, “deve existir uma tentativa de compreender” os cidadãos que aderem a este tipo de mensagens mais radicalizadas e “integrá-los nos discursos públicos, sob pena de que aquilo que é marginal, no sentido de representar uma pequena franja da sociedade, possa crescer, como já vimos que pode acontecer”.
A especialista em comunicação política rejeita que a solução passe por silenciar ou ignorar estes movimentos e lembra que muitas destas narrativas são reflexo de ansiedades e receios que “devemos procurar entender”. “Desmerecer aquilo que é diferente acaba por ter um efeito oposto: o reforço dos sentimentos de injustiça e de exclusão”, diz.
“É óbvio que insultar não é útil para o debate público, mas discutir políticas de imigração, mesmo que baseadas em preconceitos, que podemos considerar grotescos, pode ter um interesse público e merece ser tido em consideração”, afirma Igreja Matos. Onde se traça, então, a fronteira? “O critério não pode ser nem ideológico nem estético, tem de ser um critério de perigo e de ofensividade”, resume Rui Patrício.
“Não há outra forma de combatermos a substituição demográfica que está em curso. E a única forma de nós tratarmos disto é aniquilar completamente a imigração.”
Fórum “merece ser investigado”
Sobre as mensagens partilhadas neste fórum, os dois advogados da Morais Leitão afirmam que, “sendo inequívoco o tom provocador e mesmo agressivo” de algumas declarações, e “embora a avaliação de cada caso concreto dependa de uma análise a diferentes variáveis”, como contexto, credibilidade do orador, teor da mensagem, percepção do auditório e consequências imediatas da divulgação pública das mensagens, “há aqui declarações que parecem ter cabimento no âmbito do artigo 240.º [do Código Penal], talvez até de outros crimes”.
Também Vânia Costa Ramos, que integra a lista de advogados do Tribunal Penal Internacional, afirma que “este fórum merecia ser investigado na perspectiva de enquadramento no artigo 240.º do Código Penal” e acrescenta que os excertos recolhidos pelo PÚBLICO parecem “denotar que a intenção é de facto propagar ódio étnico ou racial, com base na nacionalidade e religião”. A penalista reconhece, contudo, que “é incontornável alguma incerteza” na interpretação da lei e aponta a obtenção de prova como uma das grandes dificuldades deste crime. “Às vezes, a prova só se faz depois de as coisas acontecerem. Muitas vezes é difícil criminalizar o discurso de ódio quando não teve consequências, ou quando não se consegue detectar a ligação entre o discurso e o acontecimento.”
Quanto à dúvida sobre se mensagens com teor violento que são seguidas de notas como “isto é só a brincar”, “é apenas uma metáfora” ou “é uma piada” podem ou não configurar crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, Rui Patrício é peremptório. “Lá por ter um disclaimer, não me parece que exclua a sua integração do tipo criminal. Acho que do ponto de vista da interpretação da perigosidade e da intencionalidade subjacentes a uma ameaça, esse disclaimer até os reforça.” E acrescenta: “O verdadeiro humor não se anuncia, o verdadeiro humor faz-se e toda a gente percebe que é o humor.”
“Ao fazerem esse disclaimer, estão a mostrar que anteciparam o risco de a mensagem ser interpretada como violenta e que têm perfeita consciência do que aquilo significa”, esclarece Nuno Igreja Matos, autor do livro Ideologias Políticas e Direito Penal: o problema da incitação ao ódio no conflito político.
Já sobre o facto de a organização que gere a conta onde decorrem estes debates estar sediada no Estados Unidos e, por isso, “obedecer às suas leis” e estar “assegurada pela Primeira Emenda [da Constituição dos EUA, sobre liberdade de expressão]”, Nuno Brandão explica que “se o resultado que decorre da acção tem efeitos em Portugal, vale aquilo a que se chama o ‘princípio da territorialidade’, ou seja, pode aplicar-se a lei portuguesa”.
O docente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra lembra que, “nessa medida, se for crime em Portugal, não é pela circunstância de o não ser noutro território que deixa de poder ser punido”.
Como pode a lei ser mais clara?
Os penalistas Rui Patrício e Nuno Igreja Matos apontam três possíveis caminhos para ajustes à actual legislação:
- Clarificar melhor, por via de exemplos-padrão, o que se reputa incitação ao ódio e à discriminação.
- Reforçar a Lei n.º 93/2017, lei de combate à discriminação (que prevê contraordenações e coimas para comportamentos discriminatórios), para que fique mais claro que há certos comportamentos discursivos que, podendo não atingir já um limiar de gravidade tal que justifique imputar um crime, devem ainda assim ser sancionados como contra-ordenações.
- Criar uma proposta de guidelines/manual prático sobre os critérios de identificação do que é discurso de ódio proibido, através da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial, que supervisiona o regime contra-ordenacional referido.
Ódio ainda escapa à moderação
Alguns destes comentários, mesmo que configurem discurso de ódio para os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, mantêm-se online. O mesmo acontece noutras plataformas, até depois de serem alvo de denúncias.
“Bom, eu vou-vos dizer: eu já fui condenado por espancar ‘antifas’, por apontar-lhes revólveres à cabeça, por tudo e mais alguma coisa. Faz parte do meu registo criminal. Eu não estou a dizer mentira nenhuma. Não é nada que me envergonhe.”
No caso concreto do X, na resposta oficial da empresa à denúncia de um utilizador a este fórum lê-se: “[O conteúdo da página] não violou as nossas políticas de segurança.” E a plataforma sugere, em alternativa, o bloqueio da conta pelo autor da queixa.
A mesma mensagem enumera, por fim, “um resumo do que não é permitido no Twitter, segundo as políticas de segurança [da plataforma]”:
- Ameaças de violência contra uma pessoa ou um grupo de pessoas;
- Celebração ou glorificação da violência;
- Assédio de uma pessoa ou incentivo a outrem para assediar também;
- Desejo de que alguém sofra;
- Promoção de violência, ameaças ou assédio de pessoas por conta de sua identidade (como raça ou género);
- Promoção ou incitamento de suicídio ou automutilação;
- Imagens ou vídeos que mostrem violência e agressão sexual;
- Exploração sexual de menores;
- Ameaças ou promoção de terrorismo ou extremismo violento.
O PÚBLICO tentou obter uma resposta da empresa, mas não encontrou contactos disponíveis pelas vias oficiais. Numa mensagem divulgada a 22 de Janeiro, a presidente executiva do X referia, a propósito do combate à desinformação e discurso de ódio na plataforma, que “o X está a fazer a sua parte em todas as frentes” e “reforçou os esforços para combater o ódio e salvaguardar as comunidades marginalizadas”.
“No ano passado, removemos milhões de conteúdos e suspendemos o mesmo número de contas que violavam os nossos Termos de Serviço, incluindo a política de discurso violento e conduta de ódio”, lê-se no comunicado. Em Maio de 2023, o antigo Twitter abandonou o Código de Conduta em Matéria de Desinformação, promovido pela União Europeia e assinado pelas principais plataformas do sector como a Meta (dona do Facebook e Instagram), TikTok, Google, Microsoft, Adobe, Vimeo ou Twitch.
Meios do Observatório do Racismo e Xenofobia são “claramente insuficientes”
Um ano depois da criação do Observatório do Racismo e Xenofobia (ORX), a presidente da comissão de coordenação do organismo confirma que o primeiro relatório anual, que incluirá propostas de melhorias nas políticas públicas, será apresentado à Assembleia da República neste mês de Março. Ao PÚBLICO Teresa Pizarro Beleza, adianta que, “assim que possível”, será definida a estratégia e o plano de recolha e análise “de outro tipo de dados quantitativos e qualitativos”, mas deixa um alerta. “Os meios de que neste momento dispomos são claramente insuficientes”, diz.
A ex-presidente da Faculdade de Direito da UNL lembra que o seu trabalho e o dos dois professores da mesma universidade que a têm auxiliado é “totalmente voluntário e gratuito”. “Este ‘pormenor’, que não é de somenos”, afirma a coordenadora do ORX, “pode ser sinal da escassa relevância oficialmente atribuída à investigação e produção de informação sobre o fenómeno estrutural do racismo em Portugal”.
No plano deste organismo constam também a abertura de um curso de pós-graduação; a construção de uma “base de conhecimento sobre a temática”; e a realização de debates com especialistas nacionais e internacionais abertos ao público. As “Conversas sobre Racismo e Xenofobia”, como se chamam estas sessões, têm uma periocidade mensal.
Desde a aquisição do X por Elon Musk, em Outubro de 2022, cresceu o discurso de ódio na rede social. Nas primeiras semanas de gestão, Musk demitiu quase metade da força de trabalho da plataforma, cerca de 3750 trabalhadores, em que se incluem equipas de monitorização de informação e de moderação. Foram também recuperadas contas que tinham sido suspensas por partilha de desinformação ou conteúdo violento. A mais mediática é a do antigo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Já em Outubro de 2023, e segundo o Projecto Global contra o Ódio e o Extremismo (GPAHE na sigla em inglês), pelo menos 15 contas portuguesas nesta rede social foram suspensas por incentivo ao ódio, algumas delas ligadas a políticos e a partidos, como o Chega, e também a do antigo líder dos Hammerskins portugueses, Mário Machado. É nesta conta, que entretanto foi reaberta, que decorrem as conversas aqui citadas.
Contra-narrativas são a solução. O próximo passo é estudá-las
Perfis que promovem a disseminação de mensagens de ódio ou narrativas xenófobas e racistas reforçam muitas vezes a noção de liberdade e independência. E o sentimento de marginalização pode facilitar a adesão a “movimentos acêntricos”. Inês Amaral, investigadora integrada do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, faz notar que durante as conversas que decorrem no fórum moderado por Mário Machado surge repetidamente a menção à ausência de hierarquia. “A rejeição desse papel de liderança convoca, de alguma forma, uma maior união no sentido em que todas as pessoas têm liberdade para participar. Há uma noção de integração em torno de valores comuns. É um movimento democrático [internamente], mesmo que os seus membros odeiem a democracia”, diz.
Esta adesão a discursos com mensagens simplistas para problemas complexos é, segundo Rita Guerra, em parte consequência da falta de reconhecimento de determinadas discussões na praça pública. É por isso que a docente do Iscte alerta para a necessidade de trabalhar estes fenómenos não só com as comunidades-alvo de discurso de ódio, mas também com os cidadãos que, não sendo alvo deste tipo de ataques, “têm um papel fundamental como bystanders [observadores]”.
E sobre esses observadores a investigação de Susana Salgado revelou que “no momento da partilha o que mais importa é a concordância com o conteúdo”. “A presença de ódio nas mensagens não parece inibir a maior parte das pessoas de as partilhar”, o que explica a “normalização do ódio nos ambientes online”.
À semelhança do que acontece no bullying, explica Rita Guerra, em que há também “uma grande maioria silenciosa que tem capacidade e muito poder para fazer alguma coisa”, a alternativa à disseminação de discurso de ódio, que o amplifica e normaliza, não deve ser o silêncio, mas antes a produção de contra-narrativas. Quais? Esse é o próximo passo na investigação. A par da informação contra-factual, com factos que desconstroem estereótipos, e do humor, a resposta pode estar na empatia.