Na tapada da serra de Sintra há burros à espera de visitas
Projecto da Reserva de Burros alia a sensibilização, sobretudo das crianças, para a necessidade de conservar a espécie em declínio, à promoção de zonas menos procuradas pelos turistas que visitam Sintra.
Haverá quem se lembre dele: era o burro Euribor que o actor José Pedro Vasconcelos tentava evitar que desatasse a correr, numa campanha publicitária do antigo BES. Também o terão visto no cinema ou em programas de televisão. Na vida real, o burrico, que afinal se chama Pássaro, integra o elenco da Reserva de Burros, um espaço que abriu portas na serra de Sintra.
A Associação para a Valorização e Preservação do Burro tinha os animais – sete burros adultos e uma cria, a Alfarroba, ainda pequena e tímida – e a Parques de Sintra tinha um terreno desocupado, junto ao Convento dos Capuchos, em plena Tapada D. Fernando II. Unidas por um objectivo comum, o da conservação daquela espécie ameaçada de extinção, decidiram criar um projecto que aliasse a preservação de um dos símbolos da tradição saloia à atracção de visitantes a zonas menos conhecidas da serra.
"Este é um dos novos projectos inseridos na nossa política de atrair novos públicos para zonas com menor procura turística e na nossa missão de preservar o património natural", explica Lino Ramos, administrador da Parques de Sintra-Monte da Lua, que gere os parques e monumentos de Sintra classificados pela UNESCO. Já em Setembro a empresa pública tinha lançado, em parceria com a Tapada de Mafra, um programa de visitas guiadas a zonas menos visitadas na tapada. Agora, a Reserva de Burros é a nova atracção na cercania do Convento dos Capuchos, na freguesia de São Martinho, afastada do centro histórico da vila de Sintra por estradas estreitas de curvas apertadas que rasgam a enorme mancha florestal.
O convite é dirigido sobretudo às escolas e às famílias com crianças, para despertar nelas o interesse pela biodiversidade. "Ninguém preserva sem conhecer. Queremos investir nas crianças, que são os adultos de amanhã, para que conheçam os burros e saibam a sua importância", diz o administrador, destacando o papel "fundamental" desempenhado por estes animais no dia-a-dia do Homem e, em particular, dos habitantes das zonas rurais à volta de Lisboa no início do século passado.
"Os burros faziam parte activa da economia, da vida social e religiosa dos saloios", conta Lino Ramos. A presidente da associação parceira, Rute Candeias, recorda as histórias que foi ouvindo nos últimos dez anos, dedicados à paixão por estes animais. "Ouço falar de crianças que iam para a escola nos alforges. Ou de famílias que voltavam da feira a dormir na carroça vazia enquanto o burro regressava a casa sem que fosse preciso dar-lhe indicações." Afinal, os burros não devem o nome à falta de inteligência.
A bióloga, pós-doutorada em comportamento animal, sabe de cor o nome, a história e os gostos de cada um dos ocupantes da reserva. Sabe, por exemplo, que o Junquilho "teimoso e guloso" aceita subornos. Basta estender-lhe a mão com alfarroba, fava e milho que ele vem logo a correr, com o Torgal no encalço. E que quando Alecrim, o grande e lustroso Alecrim, chega com as orelhas deitadas para trás e a cabeça baixa, está a pedir "massagens de relaxamento".
Ao contrário do que acontece noutros abrigos existentes para a espécie, ali não há burros de trabalho. "Sempre estiveram associados a este tipo de actividade, adoram fazer passeios e gostam imenso de interagir com as pessoas, sobretudo com as crianças", diz Rute Candeias. Nota-se. De olhos pestanudos e expressivos, pêlo acastanhado lustroso e porte avantajado, o Pássaro insiste em usar o charme de estrela de televisão para exigir a sua quota de festas. Mas vem logo o Tonecas roubar a atenção. E a Alfazema, mãe da Alfarroba, que não se cansa de pousar para o fotógrafo.
O projecto, apadrinhado pelo humorista Nuno Markl e pela radialista Ana Galvão, inclui diversos programas para públicos distintos. Há um programa para as famílias, no segundo e quarto sábados de cada mês, em que os tratadores explicam a história e desconstroem os mitos associados à espécie, após o que as crianças dos três aos 12 anos podem montar os burricos enquanto os adultos os conduzem à mão, pela floresta em volta da reserva. Pelo caminho, os burros ajudam a Parques de Sintra a concretizar uma das suas tarefas: comem as acácias, plantas invasoras que a empresa está a substituir no processo de reflorestação da tapada. A actividade dura 1h30 e custa 10 euros por pessoa. Segundo Lino Ramos, as receitas destas actividades destinam-se unicamente a garantir a manutenção dos animais.
A reserva acolhe também despedidas de solteiro, com actividades especiais para os participantes, e eventos para empresas ou festas de aniversário. As reservas podem ser feitas através do e-mail info@parquesdesintra.pt ou por telefone, e um conselho serve para todas as actividades: levar calçado confortável e de preferência fechado.