Câmara de Lisboa quer aprovar duplicação da área de dois restaurantes à beira rio
Manuel Salgado propõe ampliação que, segundo técnicos municipais, só pode ser aceite se a câmara declarar a sua "excepcional importância para a cidade". Edifícios serão ligados por cima do espaço público por uma ponte em forma de golfinho.
Nos termos do artigo 53º do Plano Director Municipal (PDM) não é permitida naquele local a realização de obras que aumentem a área de construção pré-existente. O plano contempla uma única excepção que não é invocada na proposta subscrita pelo vereador Manuel Salgado: a “excepcional importância para a cidade” dos edifícios a construir.
Os dois restaurantes, situados junto ao Museu da Electricidade (frente à Cordoaria Nacional), foram encerrados há meses e os seus interiores estão já, apesar de os projectos ainda não estarem aprovados, a ser demolidos.
Explorados anteriormente por uma empresa que foi despejada pela câmara em Novembro por falta de pagamento de rendas, os edifícios estão agora na posse de duas empresas do grupo Azinor, cujos gerentes têm residência em Luanda. Para lá dos investimentos que tem efectuado em Angola, o grupo tem em Lisboa uma dezena de unidades hoteleiras, entre as quais os hotéis Sana (três), Evolution (no Saldanha) e Myriad (na Torre Vasco da Gama).
Nos pavilhões antes ocupados pelo BBC e pelo Piazza di Mare, o grupo Azinor pretende agora instalar restaurantes e espaços de realização de eventos sociais.
Nos termos das propostas levadas à reunião de câmara, os actuais edifícios, que têm apenas um piso e uma superfície de pavimento total de 1904 m2, passarão a ter dois pisos e uma superfície de 3492 m2 (mais 83%). Este aumento, explica Salgado na proposta, resulta da “criação de um piso em mezanino” nos actuais espaços e da construção de escadas e elevadores nas extremidades de cada um dos blocos.
Nos terraços serão ainda erguidos dois “volumes paralelipédicos revestidos a chapa metálica e vidro”, sendo a restante área destinada a esplanada coberta por uma “estrutura de ensombramento”. A ligar os dois pavilhões é proposta uma passagem aérea coberta, consubstanciando “um elemento escultórico em forma de golfinho”. Esta passagem, com 20 metros de comprimento, será construída sobre uma faixa de terreno do domínio público do município na qual existem actualmente quatro árvores de grande porte.
A eventual violação do PDM por via do aumento da área de construção não é abordada em nenhuma das informações dos técnicos camarários que acompanham as propostas em discussão. O PÚBLICO questionou a autarquia sobre esta matéria ao fim da tarde de terça-feira, mas ainda não obteve resposta.
A arquitecta que apreciou os projectos manifestou no entanto várias reservas que não foram tidas em conta nos despachos de dois dos seus superiores hierárquicos e do vereador Manuel Salgado. Na opinião daquela técnica, “a construção proposta ultrapassa o limite de 10 metros de altura de fachada máxima admitida para as novas construções, sendo que este limite se encontra excepcionado nos casos em que Câmara Municipal considere que se reveste de excepcional importância para a cidade”.
Por outro lado, considera que os projectos apresentam um défice de pelo menos 24 lugares de estacionamento e que há dúvidas a esclarecer quanto à coincidência entre as áreas ocupadas pelas novas construções e as áreas que foram objecto de concessão aos promotores. No seu entender, e do chefe da Divisão de Projectos Estruturantes, todos estes assuntos terão de ser decididos superiormente, em especial a da aceitação pela câmara da excepcional importância dois edifícios a construir.
Contrariando a posição da técnica e do chefe de divisão, o director de departamento e o director municipal de Gestão Urbanística entenderam que a questão da altura da fachada não se colocava neste caso. Já no que toca ao estacionamento, o director de departamento achou que ele devia ser “reforçado”, mas o director municipal, Catarino Tavares, entendeu que os lugares existentes no local cumprem o previsto no PDM.
Manuel Salgado concordou com o seu número dois pelo que a proposta que subscreveu propõe a aprovação dos projectos tal como estão. Quanto ao estacionamento acrescenta um dado novo: os promotores pediram a isenção da criação de novos lugares porque já lá estão 95 — os mesmos que Catarino Tavares diz no seu despacho serem 87 — e porque “a menos de 100 metros” será construído “um novo parque de estaciomento público, em cave, no âmbito do projecto desenvolvido pela Fundação EDP”.
Uma concessão por 50 anos feita pela ATL
A entrega dos dois pavilhões ao grupo Azinor foi feita por cinquenta anos e foi negociada com a Associação de Turismo de Lisboa (ATL), que lhos atribuiu em Novembro passado. De acordo com a ATL, o negócio assumiu a forma de cessão da posição dos antigos concessionários — a empresa Espaço Poente — ao grupo Azinor no contrato inicialmente celebrado por eles com a Administração do Porto de Lisboa (APL).
Esta cessão de posição, diz a ATL, foi feita “a pedido do antigo concessionário no decurso da concessão”, pelo que a associação “não tinha o espaço disponível para o colocar no mercado”.
A intervenção da ATL neste processo deve-se a um protocolo celebrado com o município em 2012, através do qual a autarquia lhe transmitiu a gestão de um conjunto de espaços e edifícios ribeirinhos anteriormente pertencentes à Administração do Porto de Lisboa (APL) e que o Governo fez passar para a câmara em 2009 mediante o pagamento à APL de 14,5 milhões de euros.
Foi por via deste protocolo que a ATL, uma associação privada presidida por inerência pelo presidente da Câmara de Lisboa, assumiu o lugar de concessionária no contrato com a Espaço Poente que o município havia herdado da APL.
Este contrato era válido por 35 anos, mas a concessão atribuída ao grupo Azinor tem um prazo de 50 anos, pelo que não se trata propriamente de uma cessão da anterior posição contratual da Espaço Poente.
Em resposta ao PÚBLICO, a ATL diz que o prazo negociado foi “autorizado pela câmara dado o volume de investimento previsto e o business plan apresentado pelos interessados”. Os novos concessionários pagarão por mês 24 mil euros (IVA incluído) e assumiram o pagamento das dívidas da Espaço Poente ao município (cerca de 350 mil euros), à ATL (cerca de 980 mil) e ao Fisco (cerca de 280 mil).
Segundo a ATL, a concessão dos espaços cuja gestão a câmara lhe entregou e que se encontram livres é feita “com recurso a consultas ao mercado”. O protocolo celebrado com a câmara em 2012 diz apenas que a ATL pode “ceder” a terceiros os bens que lhe foram transmitidos pelo município desde que aqueles “disponham de idoneidade pessoal, técnica e financeira”. Se fosse a câmara a concessionar estes edifícios e espaços teria de o fazer mediante a realização de hastas públicas.
As explicações da câmara
A "cessão da posição contratual do anterior concessionário" para os actuais foi feita com o acordo do município depois da "apresentação de um plano de viabilidade económica por parte da ATL", assegurou a autarquia já depois do fecho da edição em papel em resposta a perguntas que lhe foram dirigidas PÚBLICO na segunda-feira.
A câmara adianta que a "cessão da posição contratual" nas condições em que foi negociada pela ATL "implica que o prazo de concessão se prolongue para além do período" do contrato anterior.
Relativamente à ponte em forma de golfinho que ligará os dois edifícios por cima de uma faixa de terreno pertencente ao domínio público municipal, o Departamento de Comunicação da autarquia adianta que essa ligação "obrigará ao estabelecimento de um direito de passagem, a definir, com o ónus da passagem pública a nível do piso térreo, tal como previsto no projecto".
No que respeita à utilização de terrenos públicos não integrados na concessão e destinados à construção das escadas e elevadores nos extremos do conjunto formado pelos dois pavilhões a câmara diz que "o acréscimo das áreas de implantação obrigará ao acerto das áreas a afectar aos dois edifícios em direito de superfície ou complemento do lote". A contrapartida "será o devido pagamento por aplicação do regulamento".