Aumento da procura leva CP a adiar encerramento da ligação Régua-Pocinho

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Ninguém põe em causa o potencial turístico da Linha do Douro ADRIANO MIRANDA

Apesar de ter adiado o encerramento do último troço da Linha do Douro, o fim da ligação Régua-Pocinho continua a constar do rol das ferrovias a fechar do plano apresentado à troika. Governo analisa o caso

A "supressão de circulações entre Régua e Pocinho" era uma das medidas de redução de custos do Plano de Actividades e Orçamento de 2011 da CP, que deveria ter sido implementada em Fevereiro deste ano, mas que a empresa deixou caiu por "haver procura" neste troço.

Esta decisão consta do relatório semestral de gestão da CP, a que o PÚBLICO teve acesso, no qual estes 68 quilómetros de via férrea continuam, todavia, a constar na lista dos 800 quilómetros de linhas que poderão encerrar, nos termos do plano apresentado pela Refer à troika.

O aumento da procura no Douro é sazonal, tendo-se verificado nos últimos meses comboios congestionados, com passageiros a viajar de pé, insatisfeitos por terem comprado um passeio de comboio na linha mais bonita do país e não encontrarem condições para apreciar devidamente a paisagem.

"A minha mãe foi hoje levar a Margarida ao Lamego [estação da Régua] no comboio das 9h15 em S. Bento e assistiu novamente à pouca-vergonha: o comboio partiu atafulhado de gente em pé, a ponto de ter ficado em Ermesinde à espera de composição para sentar as pessoas. Mesmo assim, ainda seguiram pessoas de pé! Eu fui levá-las lá e presenciei a quantidade de turistas estrangeiros que viajavam nele". Este é o conteúdo de uma reclamação entregue na CP durante o mês de Agosto. Na estação da Régua assistiu-se frequentemente à partida de composições com gente de pé, na sua maioria utentes que usavam o comboio não por necessidade de mobilidade mas pelo puro prazer da viagem.

O comboio acaba de sair da Régua para o Pocinho. José Ribeiro viaja com um grupo de 20 amigos. É a segunda vez que percorre o Alto Douro vinhateiro de comboio, e garante que esta é a única forma de o fazer serenamente. "De autocarro chegamos enjoados, e depois temos uma prova de vinhos à espera". Apenas uma unidade com três carruagens faz o trajecto final Régua-Pocinho. Quem vem do Porto tem de se certificar na Régua de que está na carruagem certa, ou mudar aí para as da frente, como aconselha o revisor, porque à saída de S. Bento a composição é formada por duas automotoras de três carruagens cada que, neste domingo soalheiro, vão quase cheias.

Abel Lameiro é outro dos convivas. É estreante no troço Régua-Pocinho, mas já lhe reconhece potencial turístico. Defende a aposta numa maior publicitação da linha para tirar partido desse mesmo potencial. Paulo Coelho aponta na mesma direcção do companheiro de viagem. Em vias de se mudar para a região, vai passar de turista a passageiro frequente, pelo que defende melhorias no sentido de tornar a linha mais atractiva. Defende a criação de uma verdadeira rota turística, acessível por bilhete simples aos residentes e vendida a um preço mais elevado a turistas. Esse aumento de preço seria acompanhado por uma melhoria no serviço, como a criação de um bar à disposição dos passageiros.

O problema é que a CP não tem comboios para esta linha. As automotoras que por aqui circulam são espanholas e a CP paga por elas 5,35 milhões de euros anuais à Renfe. O contrato tem a duração de cinco anos e deverá ser prorrogado, porque a transportadora portuguesa não tem material para este serviço, dado que parte das locomotivas e carruagens que estavam afectas ao Douro foram vendidas à Argentina.

A alternativa é o material em segunda mão espanhol. Tem ar condicionado e assentos mais confortáveis do que as composições anteriores, mas está longe de ser o material mais adequado para uma linha com potencial turístico, onde muitos passageiros desejam abrir a janela para melhor usufruir da paisagem.

A CP, em resposta a questões do PÚBLICO, diz que "não existem estudos que possam sustentar uma resposta sobre as opiniões dos clientes relativamente a estas automotoras"

Pinhão (tal como a Régua) é uma das poucas estações do Douro que ficam no centro das localidades que servem. A assistente de direcção do CS Vintage House Hotel, Patrícia Silva, já ouviu falar da intenção de fechar a linha da Régua ao Pocinho, mas não prevê uma diminuição do fluxo de clientes, embora considere que os programas turísticos desenvolvidos nas imediações, que incluem tours de comboio, possam sair afectados, caso a medida venha a concretizar-se.

O restaurante Calça Curta é o único estabelecimento visível nas imediações da estação do Tua. Apesar de se situar a escassos metros da linha, mesmo em frente à estação, o proprietário acredita na força da reputação da casa: "[Os clientes] se não vierem de comboio, vêm de carro ou de avião." Apesar de tudo, acredita que o encerramento do troço Régua-Pocinho não será concretizado, dado o potencial paisagístico do percurso. O empresário da restauração observa que o trajecto Porto-Vigo (cujo encerramento também está previsto) dispõe de alternativas, o que não acontece com este. Mas se a alternativa for fechar a linha para o Pocinho, podem contar com a sua indignação: "Que nos entreguem aos espanhóis!"

Faltam estudos

A CP não sabe quantos dos seus passageiros do Douro viajam por motivos de lazer. Em 2010, nos meses de Junho, Julho e Agosto, viajaram na Linha do Douro 306 mil passageiros, dos quais 62 mil em comboios especiais ou em grupos organizados pela empresa. Dos restantes 244 mil ignora quantos viajaram por motivos estritamente turísticos, embora admita que, "nesta época do ano", "existem números consideráveis de turistas individuais (não organizados em grupos) que viajam na oferta regular". Este ano, antes ainda do final do mês de Agosto, o número de clientes neste eixo era de 289 mil, dos quais 54 mil em viagens organizadas.

Chegada ao Pocinho. Os transeuntes e os automóveis contam-se pelos dedos. Apesar de ser hora de almoço, são poucos os clientes do café-restaurante O Gaveto, em frente à estação. As mesas onde se servem os almoços estão quase todas vazias, e os turistas acabados de chegar não entram. Segundo a proprietária, seguem directamente para as camionetas que os hão-de levar ao passeio turístico de barco pelo Douro.

Governo avalia

No entanto, este cenário despovoado pode sofrer uma alteração em breve, com a inauguração do Centro de Competição de Remo do Pocinho. Este é, aliás, um dos motivos que levam Gustavo Duarte, presidente da Câmara Municipal de Foz Côa, à convicção de que o troço é para manter. "Nem me passa pela cabeça que isso se irá concretizar", exclama o edil. Além do centro de remo, actualmente em construção, o autarca lembra a tomada de posse da nova administração do Museu do Côa (o Governo deu recentemente luz verde à criação da Fundação Côa Parque), salientando que a publicidade em torno da região justifica a manutenção da linha.

Questionado sobre o eventual encerramento de parte da linha do Douro, o Ministério da Economia e Emprego, que tutela a Secretaria de Estado dos Transportes, apenas diz que a matéria está a ser avaliada.

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