Pagamento de indemnização deixa freguesia de Abrantes à beira da falência
Em Bemposta, no concelho de Abrantes, o presidente da junta de freguesia, Francisco Bentes, aguarda para os próximos dias uma resposta do pai do jovem vítima de um grave acidente há 16 anos a uma proposta de indemnização que lhe fez há pouco tempo. A iniciativa de Francisco Bentes deu sequência à decisão da última reunião da assembleia de freguesia de procurar um entendimento com Carlos Luís, o pai do jovem a quem a autarquia deve cerca de 225 mil euros por danos físicos e psíquicos sofridos no acidente.Há sete anos, a junta foi condenada a pagar à família da criança sinistrada 15.700 contos (cerca de 78.500 euros), mas os juros acumulados já triplicaram praticamente a dívida. Na prática, a junta está quase impedida de actuar na resolução dos problemas da freguesia. É que, além de estar obrigada, desde Janeiro deste ano, a pagar à família de Carlos Luís cerca de 1500 euros por mês, a autarquia verificou agora, na preparação do orçamento e do plano de actividades para 2004, que a dívida no final de 2003 é superior à que se verificava no início do ano. "Qualquer dia é preciso vender a freguesia"Apesar de a junta já ter pago cerca de 18 mil euros da indemnização devida, a verdade é que os juros da dívida superaram a verba mensalmente paga e, virtualmente, o compromisso financeiro poderá tornar-se vitalício. Esta situação, que pode implicar a quase paralisação das actividades da freguesia abrantina, não agrada à assembleia de freguesia e muito menos a Francisco Bentes, face ao impasse que o problema coloca."Qualquer dia é preciso vender a freguesia para resolver o problema. Isto, naturalmente, é um desabafo meu, mas a verdade é que esta é a minha grande preocupação desde 1997, altura em que passei a presidir à junta", conta Francisco Bentes. "Ainda me disseram para colocar no orçamento para 2004 o valor da dívida, porque o Estado assumiria o seu pagamento. Mas, segundo vários pareceres que a junta já recebeu, isso não pode ser assim. As juntas têm autonomia financeira e as despesas que se fazem têm de ter contrapartidas nas receitas", esclarece o autarca.Tudo começou num domingo de 1987, na sequência de um torneio de tiro aos pratos organizado pela comissão das festas da Ascensão da Bemposta desse ano. "No torneio propriamente dito, realizado num sábado, tudo correu bem. Porém, no dia seguinte, um grupo de atiradores voltou para o local e levou a máquina de lançar os pratos para efectuar mais alguns disparos, à revelia da organização do torneio, que apenas teve lugar no sábado. Um dos tiros acabou por atingir o baixo-ventre de uma criança, então com sete ou oito anos, que, acompanhado pelo pai, fora ver os atiradores ao local", conta Francisco Bentes, admitindo que, depois do acidente, o jovem ficou afectado a vários níveis pela ocorrência de que foi vítima. E foram estes danos sofridos pela criança que motivaram o recurso dos pais ao Tribunal Judicial de Abrantes, tendo o processo judicial (e extra-judicial) sido arrastado até hoje. Para garantir o pagamento da indemnização mais os juros de 16 anos o tribunal de Abrantes chegou mesmo a penhorar o campo de futebol e um terreno para onde estava prevista a construção de um novo posto da Guarda Nacional Republicana. A junta contestou a decisão e, face ao reconhecimento da utilidade pública declarada pelos órgãos autárquicos, a penhora foi anulada. As sucessivas tentativas de acordo entre a junta e o pai do jovem têm sido infrutíferas, ficando os valores propostos por cada uma das partes para a compensação financeira muito distantes. Carlos Luís afirma que, como pai, não deve prejudicar os direitos atribuídos ao filho e, por isso, nas negociações, pouco tem reduzido a verba imposta judicialmente. Ao longo de 2003 a junta tem entregue regularmente ao Conselho Superior de Magistratura 15 por cento das verbas que a Bemposta recebe do Fundo de Fomento das Freguesias.