Casamentos à força, divórcios à vista?
Está em curso uma reorganização administrativa territorial das freguesias que bem poderíamos apelidar de casamentos à força. Casamentos porque se trata de juntar (agregar, diz a lei) freguesias até agora livres. À força, porque a vontade destas pouco conta.
Estamos a falar de freguesias que cuidavam cada uma da sua vida sem lhes passar pela cabeça serem confrontadas não com um pedido de casamento (se fosse um pedido ainda poderiam, pelo menos, ponderar) mas com uma obrigação irrecusável de se casar. E de um casamento muito exigente e muito especial. Os nubentes, que podem ser dois ou mais, transformam-se por este laço num só ente, ainda que sem perda da sua identidade (é um pouco difícil de compreender, mas é assim).
São mobilizadas para estes nós, ora freguesias pequenas situadas em meio rural, ora freguesias grandes localizadas em ambiente urbano. A junção faz-se dentro de cada município e só escapam aquelas que fazem parte de concelhos que têm quatro freguesias ou menos.
As freguesias ainda perguntaram: porquê? Porque tinham elas de se casar deste modo? E a resposta veio sem rodeios e assustadora. São compromissos internacionais. A troika a isso obriga. É preciso agir assim para que o país saia da crise.
Às freguesias de pouco valeu suplicar, dizendo que as razões financeiras estavam mal invocadas, pois todas juntas pesavam menos de 0,1% no Orçamento do Estado. Também de pouco valeu invocar outros argumentos, como o facto de apenas 11 municípios possuírem mais de 40 freguesias e de mais de 80% deles possuírem menos de 20.
Centenas de freguesias houve (a grande maioria) que, apesar das ameaças e dos castigos, se recusaram a um casamento nestas circunstâncias. Porém, mesmo assim, vão ser obrigadas a casar-se, porque a sua vontade é suprida pela da Assembleia da República, que escolhe os parceiros através de uma casamenteira que arranjou e a que chamou UTRAT (Unidade Técnica da Reorganização Administrativa).
Outras centenas de freguesias (muito menos) prometeram casar-se, mas sob protesto. Não queremos casar-nos, mas como, se não nos casarmos, será pior para nós, então que venha lá o casamento. Assim, algumas vão poder manter-se solteiras (benefício da obediência) e as outras vão receber um pequeno dote. Foram pouquíssimas aquelas que, obrigadas a princípio, prometeram fazer a experiência como se livres fossem.
Estes casamentos não vão seguramente dar bons resultados. E não será de admirar, pois, que muitos destes cônjuges obrigados por lei a casar-se dentro de algum tempo estejam a divorciar-se. É que, apesar desta dureza toda, nada obriga a que estas uniões sejam para sempre, bastando surgir uma nova lei que determine que as freguesias casadas à força se possam libertar do vínculo, ordenando a sua vida de outro modo. E, já agora, que seja uma lei mais sensata, que venha dizer como devem ser feitos os casamentos para futuro e que apresente boas razões para que eles ocorram, fixando um procedimento razoável para a celebração dos enlaces.
Não seria mais razoável, nestas circunstâncias e neste tempo de crise, evitar conflitos deste género e fazer uma reforma bem feita?