Ty Segall não vê flores em São Francisco

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Saiu do sítio onde cresceu porque um programa televisivo lhe deu cabo da cidade. Mudou-se para São Francisco e não mais parou. Só este ano editou três álbuns. O último, Twins, é uma detonação rock"n"roll irresistível.

Ty Segall vivia em Laguna Beach, tinha uma banda punk chamada Epsilons e gravou em 2007 uma canção chamada Teeny Boppers, sátira a uma série televisiva chamada, precisamente, Laguna Beach, qual misto de Morangos com Açúcar e Casa dos Segredos, mas à MTV. Ty Segall diz que a série lhe destruiu a cidade e, quando chegou a altura de ir para a universidade, fugiu e acabou em São Francisco. Levava consigo o primeiro álbum que comprara dos 13th Floor Elevators, mítica banda psicadélica de Austin, Texas. Armado com esse disco e com a energia punk trazida dos Epsilons, Ty Segall descobriu uma cidade que adora, descobriu o psicadelismo - depois dos 13th Floor Elevators, comprou um disco do Red Krayola e continuou o processo de maravilhamento -, descobriu uma cena nada menos que incrivelmente entusiasmante onde estão os The Oh Sees, Sonny & The Sunsets ou Wooden Shjips. Transformou-se. Ty Segall, o miúdo vindo de Laguna Beach, está enorme.

Twins, o seu último álbum, é uma detonação de rock"n"roll espoletada por pedal fuzz (há no alinhamento uma canção chamada Love fuzz e isso não é coincidência) e matizada por um talento muito generoso na arte de criar melodias que nos invadem a cabeça várias vezes ao dia. É também o terceiro disco que edita em 2012, depois de um ao vivo, Slaughterhouse, e de Hair, assinado a meias com Tim Presley, que assina White Fence (outro do lado certo da força em São Francisco). Ty, como se percebe, não consegue parar. Não queremos que pare. "Thank god for the sinners / Thank god for your love", canta o primeiro refrão da primeira canção. Não podíamos estar melhor entregues. Viva São Francisco! Onde é que já foram as flores no cabelo.

Trepidante

Ty Segall é primeiro desconcertante. Atira a matar: "Ei! Estás-me a telefonar do Texas?", pergunta a voz que nos atende o telefone em São Francisco. Não, não estávamos. O Texas é longíssimo deste nosso país um pouco mais pequeno que o Indiana. Dura apenas uns segundos. Depois desta introdução, desaparecem os sinais exteriores de bizarrice.

Ty, que ainda anda pelos vintes e que não quer ser mal interpretado ("só estou falar da minha geração, só estou a falar daquilo que conheço") não é homem de muitas palavras. Simples e directo como a sua música. Ou melhor, as suas músicas. O seu coração está totalmente no rock"n"roll, mas o seu rock"n"roll está longe de imutável. Já gravou um EP dedicado aos T Rex (Ty Rex), já fez um hino à jam psicadélica californiana (o supracitado Hair), já andou a passar o filtro Beatlesco de Rain pelas suas canções, já aplicou o lado roufenho do lo-fi, e é por aí que o conhecemos melhor, a canções que não se envergonham de berrar androginia e embevecer-se com solos explosivos.

Aquilo que ouvimos em Twins, álbum turbulento, trepidante, acelerado para nos carregar na sua voragem, e, ao mesmo tempo, devoto de melodias que pedem comunhão de gargantas, explica-se muito rapidamente: "Não trabalhava num disco barulhento há algum tempo e quis fazer isso. Compus alguma música, toquei-a e tornei-a mais pesada e mais ruidosa do que seria à partida. Era esse o meu único conceito. E o único objectivo era incluir o pedal fuzz em todas as canções".

Ty Segall não é um crente no rock"n"roll no sentido arqueológico do termo: não faz música "à maneira de", como muito boa gente no garage que assina os melhores singles perdidos de 1966 em 2000 e qualquer coisa (e, muitas vezes, são convincentes e irresistíveis nesse gesto de recuperação); não pára um momento para dizer que a música actual "perdeu a identidade e as pessoas agora só ouvem porcaria - menos eu e os meus amigos". Nada disso. Ty Segall pertence a uma geração que, diz, "perdeu a vergonha": "Sempre gostei de rock"n"roll clássico, mas quando era novo defendia-me usando-o como prazer culpado. Por isso é que me virei primeiro para o punk. Mas agora já passou tempo suficiente para que os miúdos que ouviam os discos dos pais, os dos Cream, dos Led Zeppelin ou dos Black Sabbath, admitam abertamente que o fazem". Isto, considera, fez com que toda a gente ("estou a falar pela minha geração", repete) "tenha a mente mais aberta e se interesse por muitas outras coisas".

Ty Segall, que grava a maior parte dos discos sozinho (ao vivo rodeia-se da Ty Segall Band) e que colabora, por exemplo, com os Sic Alps, começou a fazer música quando ganhou idade para ver concertos. Em salas pequenas: "Meti-me nisto para estar com gente, para irmos juntos a concertos, para sentirmos juntos aquele calor". Sabe, portanto, o que não quer ser: "Para quê estar num concerto dos U2 a vê-los num ecrã gigante a sabe-se lá quantos metros de distância?" Ele quer sentir algo "real": "Espero que as pessoas o procurem, que precisem disso. Eu procuro-o a toda a hora". Essa é a razão, aliás, para ao vivo, subir o nível de volume até níveis proibitivos: "Quero que as pessoas sintam as vibrações no corpo. Quero que, quando hoje em dia é tão difícil arrancar reacções, elas façam mais que estar simplesmente ali". Em álbum, por sua vez, procura outra coisa. Mais uma vez, é conciso. Resume tudo a um adjectivo: "Cru". Acrescenta um nome: "Como os Public Enemy". E elabora: "Um som "fodido da cabeça", mas com alguma coisa de pop".

Isto não significa que Ty Segall - seis álbuns desde 2008, mais uma catrefada de singles, splits e colaborações - tenha descobero uma fórmula. É irrequieto demais para isso: "Não tenho uma voz. Disco a disco deparo-me com as minhas vozes transitórias. Não quero saber onde posso chegar. Quero experimentar e, com sorte, haverá algo a sobressair". Twins é uma grande voz transitória. Sobressai enormemente.

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