"Só queremos que alguém salve o nosso irmão"
A família de Lau Fat-wai, cidadão português condenado à morte na China, há três anos, ainda acredita na reversão da sentença. Dois dos seus três irmãos estão em Macau e pedem a ajuda das autoridades portuguesas
Lau Fat-wai é chinês, tem passaporte e cidadania portuguesa. Foi condenado à morte na China Continental, acusado de transporte de droga e contrabando de materiais para fabrico de estupefacientes. Vivia em Macau. É isto que se escreve, basicamente, sobre Lau Fat-wai desde que foi detido em Abril de 2006 e condenado à pena capital por um tribunal de Cantão em 2009.
Lau é o único com cidadania portuguesa de uma família de quatro irmãos, conta a irmã, a senhora Cheong, que pediu para não ser identificada pelo nome próprio. Com a ajuda de uma tradutora, sentada numa das mesas dos poucos jardins de Macau, explica que a diferença de apelido é também a razão do passaporte europeu de Lau Fat-wai.
Lau nasceu em Cantão em 1961 e é o delfim de uma casa pobre. Foi adoptado por outra família, com uma mãe chinesa de nacionalidade portuguesa. Na década de 1980, com pouco mais de 20 anos, chegou a Macau e conseguiu um passaporte português. Nos primeiros tempos a viver no território, então sob administração portuguesa, Lau não tinha emprego e vivia com a mãe. Mais tarde começou a trabalhar no Casino Lisboa como cashier, trocando fichas por dinheiro e vice-versa. Casou, teve um filho que hoje estuda na Austrália e entretanto divorciou-se da mulher - todos têm nacionalidade portuguesa.
Os irmãos de sangue acabaram por juntar-se a Lau em Macau, onde então se vivia melhor. Foi assim até 2006, quando Lau atravessou a fronteira entre a Região Administrativa Especial de Macau e a China Continental, que é também uma fronteira entre dois códigos penais. Tinha passado quase um ano depois de o ter feito pela última vez. A encomenda, dizem os irmãos, seria para entregar a alguém com quem tinha uma dívida. Nunca chegou ao destino. O que levava exactamente nunca foi revelado pelas autoridades chinesas, não se sabendo até hoje, por exemplo, que tipo de estupefacientes carregava.
"Há sete anos que não o vemos nem falamos com ele. Lau está num estabelecimento prisional mas não sabemos bem qual ou onde. Só os advogados é que podem entrar em contacto com ele", conta o irmão Cheong, que fala em mandarim com a nossa tradutora. O senhor Cheong usa um boné dos Red Sox, fala depressa e alto e pede a mesma reserva que a irmã em relação ao nome próprio. Diz que desde 2006 nunca mais tiveram sequer uma conversa ao telefone com o irmão. Apenas sabem que está vivo por via do escritório de advogados Jin Ling, de Cantão, que os vai mantendo informados.
Ajuda portuguesa
Lau Fat-wai viu confirmada a sentença por um tribunal de segunda instância no ano passado. No início deste ano, de acordo com a Amnistia Internacional (AI), a sentença esteve prestes a ser executada - falta apenas a decisão do Supremo Tribunal Popular chinês.
Num comunicado de Fevereiro, quando voltou a tentar sensibilizar o mundo para o caso, a AI referiu que "o actual Governo português e o anterior não se alhearam desta situação que é a de defesa da vida de um cidadão português", tentando "várias acções diplomáticas".
Mas Teresa Nogueira, coordenadora do grupo da China na secção portuguesa da Amnistia Internacional, chegou a queixar-se da fraca actuação das autoridades portuguesas. "Temos uma declaração pública de Alberto Costa, que era então ministro da Justiça de Portugal, quando esteve em Macau. Questionado sobre o assunto - e depois de o cônsul [de Portugal em Macau, Manuel de Carvalho] não ter ligado coisa nenhuma à questão - declarou que o Estado português não abandona os seus cidadãos. Isto foi a 2 de Abril de 2009. Também temos uma carta do anterior ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, dizendo que o caso estava a ser seguido pelo ministério", disse em Janeiro deste ano numa entrevista ao diário de língua portuguesa Ponto Final, publicado em Macau.
Contactada pelo PÚBLICO, Teresa Nogueira mantém que a actuação das autoridades lusas tem sido "discreta", mas, em relação ao cônsul de Portugal em Macau, admite ter sido entretanto informada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, durante uma audiência que lhe foi concedida, de que "o caso não estava na jurisdição" de Manuel de Carvalho, já que Lau Fat-wai não foi detido em Macau.
Manuel de Carvalho prefere não fazer comentários, dizendo apenas que "a questão já está esclarecida" com a AI.
A principal dificuldade da intervenção portuguesa está no facto de a China proibir a dupla nacionalidade. Um cidadão com um segundo passaporte de outra nacionalidade é apenas chinês na China. "Queremos pedir ajuda ao Governo de Portugal para salvar o nosso irmão, só queremos que alguém salve o nosso irmão", diz a senhora Cheong, que tem feito várias viagens a Cantão e a Pequim à procura de respostas. "Não tenho medo de ir à China Continental. Na verdade o medo já não interessa. Lau é meu irmão e sinceramente quero salvá-lo. Há dois anos que deixei de trabalhar por causa disto."
Apesar de não ter medo, a senhora Cheong não quer ser fotografada. Fala um pouco de espanhol, pelos anos que trabalhou em Caracas, na Venezuela, e voltou para tentar ajudar o irmão. "Tu sabes que mi familia tiene cosas muy difíciles. Yo fui a Pekín, a la embajada de Portugal, por muchas horas, pedir por favor, ayudar mi familia", diz-nos. Até agora, as diligências não tiveram resultados. "Espero que o Governo chinês conceda uma outra oportunidade ao meu irmão."
O irmão admite a culpa de Lau, mas diz que "ele não é o autor principal deste crime, porque não fabricava estupefacientes, não tinha qualquer material para fabricar drogas". "Como o meu irmão reconhece todos os seus crimes, esperamos que a sentença seja diminuída. A pena deve ter como objectivo a educação e não a condenação da pessoa à morte."
Os dois vão remexendo os recortes de jornal em chinês e português sobre o caso. Sabem que ainda está vivo e isso é o que lhes mantém a esperança.
Emenda penal
Durante a 11.ª sessão da Assembleia Popular Nacional (APN) da China, realizada em Março, foi entregue uma proposta de alteração ao Código de Processo Penal, que, entre outras alíneas, especifica os procedimentos através dos quais o Supremo Tribunal Popular chinês pode rever as condenações à morte.
De acordo com o documento, o tribunal deve rever a sentença e decidir se concorda ou não com a condenação à morte. Caso discorde do veredicto, pode anular o julgamento ou alterar a sentença. Durante o processo de revisão, o Supremo pode ainda ouvir o réu e o advogado de defesa.
A senhora Cheong sabe destes desenvolvimentos ocorridos em Pequim, reforçados com as palavras do vice-director da Comissão para os Assuntos Legislativos do Comité Permanente da APN, Lang Sheng, que assegurou que reduzir o número de condenações à morte é um desígnio do país. O momento em que a família decidiu falar não é alheio a isso. "Nunca quisemos dar entrevistas antes da Assembleia Nacional Popular, sabíamos que alguma coisa podia acontecer. Gostava muito que publicasse esta frase: "Não queremos provocar o Governo chinês. Só esperamos que essa emenda ao código penal possa ajudar o caso do meu irmão"."
Apesar da declaração de boa vontade que ficou na APN, o relatório anual da Amnistia Internacional de 2011 aponta que, apesar das "estatísticas de pena de morte e execuções permanecerem secretas", existem "dados disponíveis ao público que sugerem que a China continua a usar amplamente a pena de morte, com milhares a serem executados depois de julgamentos injustos".
O escritório da Amnistia Internacional para a Ásia-Pacífico em Hong Kong, que tem acompanhado o caso de Lau Fat-wai, há muito que apenas recebe informação sobre este cidadão português através dos irmãos. "Se eles lhe dizem que Lau ainda não foi executado, então essa é a informação mais actualizada que pode ter. Neste momento ninguém sabe mais que isso", diz Titan Cheung, funcionária da AI.