Escreveu "Construam-me, porra!!!" e chegou a presidente de câmara
Em Maio de 1994 um pequeno grupo de militantes da Juventude Socialista de Beja ousou provocar as consciências grafitando numa parede do pontão construído em 1977, para dar apoio às obras de Alqueva, uma expressão tipicamente alentejana: "Construam-me, porra!!!"
Um dos jovens que a pintou, Aníbal Costa, é hoje presidente da Câmara de Ferreira do Alentejo, o concelho que mais tem beneficiado do regadio de Alqueva. Nas declarações que prestou ao PÚBLICO, disse ter sido "muito gratificante pertencer ao grupo" que gravou a frase no local onde, no ano seguinte, arrancariam as obras de construção da barragem de Alqueva. "Decidimos colocar algo no muro que demonstrasse como os alentejanos estavam cansados de esperar e de exigir a construção da barragem", recorda o autarca, que na altura era presidente da Federação do Baixo Alentejo da Juventude Socialista.
Em 1994, movimentos ambientalistas portugueses e espanhóis dirimiam argumentos contra a instalação do empreendimento, que já fora sujeito a vários avanços e recuos desde 1955, quando o então ministro das Obras Públicas, Arantes e Oliveira, ordenava o início dos estudos do Plano de Rega do Alentejo.
Uma mensagem viral
O autarca lembra que nenhum dos jovens socialistas antecipou que a frase viesse a ter a projecção que ainda se reflecte nos dias de hoje. "Era dirigida apenas aos que passassem pelo pontão." Hoje seria diferente, com as redes sociais. Foi um gesto que classifica de "genuíno e sem outros propósitos políticos", acentua, frisando a "estupefacção" que sentiram quando a viram projectada nos jornais e na televisão. "Nem sabíamos como lidar com a pressão mediática." Os jovens socialistas, na circunstância, até sentiram necessidade de rapidamente saber que "tipo de linguagem" deveriam utilizar na relação com a comunicação social, como o PÚBLICO pôde comprovar.Decorridos 18 anos daquele momento, Aníbal Costa sente-se orgulhoso do gesto que ajudou "à sua maneira" a transformar o mito de Alqueva numa realidade que veio a beneficiar, em primeiro lugar, o concelho onde hoje é presidente de câmara.
No lugar das searas de trigo e de outras culturas de sequeiro, em Ferreira do Alentejo cresce o novo olival, a vinha, as culturas de melão, melancia, tomate e outras, que no seu conjunto já ocupam cerca de 10 mil hectares de regadio.
Se não fosse Alqueva, "dificilmente" os agricultores do concelho "poderiam dispor de 40 milhões de metros cúbicos de água", necessários à viabilização da nova agricultura que já tem uma taxa de adesão de 75% na área disponibilizada para rega.
"[Agora] estamos à espera das agro-industriais", acentua, optimista, Aníbal Costa, sem evitar uma crítica ao anúncio da suspensão das obras feito pela actual ministra da Agricultura, Assunção Cristas.
"Os agricultores investiram em novos equipamentos de rega, assumiram compromissos inadiáveis e agora suspendem-se as obras de Alqueva", aponta o autarca. E deixa uma nova frase adequada às circunstâncias: "Concluam o regadio, porra!!!"